Por William Waack, colunista do jornal O Estado de
S.Paulo
Como assim as pessoas apoiam um movimento, o dos caminhoneiros, mesmo sabendo que sofrerão severos transtornos e prejuízos diretos na vida pessoal e financeira? Em outras palavras, agindo contra os próprios interesses – e sabendo disso.
Supõe-se que alguma coisa mais esteja em jogo, além da irracionalidade em decisões (no comportamento de consumidores, por exemplo) há tanto tempo detectada por teorias econômicas de comportamento. Como eventual contribuição a uma explicação, avanço aqui duas possibilidades inteiramente subjetivas e derivadas da minha biografia pessoal como repórter.
Será que as pessoas percebem seus “interesses objetivos e racionais” como analistas percebem ou acham que deveriam perceber? No caso brasileiro dos últimos dias, é patente que não. Em primeiro lugar, salta aos olhos que uma enorme quantidade de pessoas não entenda que dinheiro público é o dinheiro delas, recolhido por meio de impostos e contribuições. Para elas, portanto, se tem alguém gastando mais do que arrecada, esse alguém é “o governo”, essa distante e incompreensível entidade que manda nas nossas vidas sem que a gente entenda muito bem como.
Em segundo lugar, o governo é ocupado por “eles”, políticos e seus nomeados, uma espécie de casta. “Eles” são interessados apenas nos próprios negócios, na própria corrupção e, agora que “nossa” paciência se esgotou e nossa indignação explodiu, precisam ser varridos como lixo. É evidente que “nós” não nos sentimos representados por “eles” – e quando confrontada com o fato de que “eles” estão lá pois foram votados para estarem lá, imensa quantidade de pessoas não gosta do que enxerga no espelho.
Muita gente acha que a revolta que acompanhou as manifestações de caminhoneiros (acompanhadas, em alguns casos, de comportamento criminoso) é uma espécie de mal necessário para que dessa situação crítica renasça um novo País, não importam os danos imediatos causados à economia. É óbvio, na minha percepção, que essa conduta reflete muito mais uma imensa frustração do que um claro sentido de ação, mesmo os caminhoneiros tendo arrancado o que pretendiam (baixar os próprios custos, empurrando a conta para outros).
Não são poucos os que enxergaram, por outro lado, que atender às reivindicações dos caminhoneiros só seria possível tornando ainda mais complicada a solução para contas públicas quebradas. Mas – e aqui deveríamos escrever MAS, em maiúsculas –, foi irresistível para parcela expressiva da população a identificação proporcionada pelo símbolo do trabalhador sacrificado (o caminhoneiro) que levanta o dedo médio em riste contra “eles”, enquanto entrega a Deus o comando na boleia.
Acho perda de tempo decifrar neste momento qual o “recado” que essa revolta está transmitindo para a política – na verdade, a mensagem principal é o ódio e o desprezo em relação à própria política, entendida como um jogo sujo no qual só “eles” ganham, com seu sistema de benefícios próprios, desperdícios, corrupção e a inexplicável administração de preços que leva o combustível que “nós” produzimos a custar bem menos na Bolívia.
Temo ter de dizer que esse flerte com o abismo, registrado nos últimos dias, seja a expressão da desintegração (que não me parece meramente passageira) da capacidade do Estado de impor diretrizes e autoridade. Mas também desse nebuloso estado de espírito segundo o qual a fúria e a frustração que existem na população criam a necessidade de mudança por meio do fracasso social.
Como assim as pessoas apoiam um movimento, o dos caminhoneiros, mesmo sabendo que sofrerão severos transtornos e prejuízos diretos na vida pessoal e financeira? Em outras palavras, agindo contra os próprios interesses – e sabendo disso.
Supõe-se que alguma coisa mais esteja em jogo, além da irracionalidade em decisões (no comportamento de consumidores, por exemplo) há tanto tempo detectada por teorias econômicas de comportamento. Como eventual contribuição a uma explicação, avanço aqui duas possibilidades inteiramente subjetivas e derivadas da minha biografia pessoal como repórter.
Será que as pessoas percebem seus “interesses objetivos e racionais” como analistas percebem ou acham que deveriam perceber? No caso brasileiro dos últimos dias, é patente que não. Em primeiro lugar, salta aos olhos que uma enorme quantidade de pessoas não entenda que dinheiro público é o dinheiro delas, recolhido por meio de impostos e contribuições. Para elas, portanto, se tem alguém gastando mais do que arrecada, esse alguém é “o governo”, essa distante e incompreensível entidade que manda nas nossas vidas sem que a gente entenda muito bem como.
Em segundo lugar, o governo é ocupado por “eles”, políticos e seus nomeados, uma espécie de casta. “Eles” são interessados apenas nos próprios negócios, na própria corrupção e, agora que “nossa” paciência se esgotou e nossa indignação explodiu, precisam ser varridos como lixo. É evidente que “nós” não nos sentimos representados por “eles” – e quando confrontada com o fato de que “eles” estão lá pois foram votados para estarem lá, imensa quantidade de pessoas não gosta do que enxerga no espelho.
Muita gente acha que a revolta que acompanhou as manifestações de caminhoneiros (acompanhadas, em alguns casos, de comportamento criminoso) é uma espécie de mal necessário para que dessa situação crítica renasça um novo País, não importam os danos imediatos causados à economia. É óbvio, na minha percepção, que essa conduta reflete muito mais uma imensa frustração do que um claro sentido de ação, mesmo os caminhoneiros tendo arrancado o que pretendiam (baixar os próprios custos, empurrando a conta para outros).
Não são poucos os que enxergaram, por outro lado, que atender às reivindicações dos caminhoneiros só seria possível tornando ainda mais complicada a solução para contas públicas quebradas. Mas – e aqui deveríamos escrever MAS, em maiúsculas –, foi irresistível para parcela expressiva da população a identificação proporcionada pelo símbolo do trabalhador sacrificado (o caminhoneiro) que levanta o dedo médio em riste contra “eles”, enquanto entrega a Deus o comando na boleia.
Acho perda de tempo decifrar neste momento qual o “recado” que essa revolta está transmitindo para a política – na verdade, a mensagem principal é o ódio e o desprezo em relação à própria política, entendida como um jogo sujo no qual só “eles” ganham, com seu sistema de benefícios próprios, desperdícios, corrupção e a inexplicável administração de preços que leva o combustível que “nós” produzimos a custar bem menos na Bolívia.
Temo ter de dizer que esse flerte com o abismo, registrado nos últimos dias, seja a expressão da desintegração (que não me parece meramente passageira) da capacidade do Estado de impor diretrizes e autoridade. Mas também desse nebuloso estado de espírito segundo o qual a fúria e a frustração que existem na população criam a necessidade de mudança por meio do fracasso social.
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