Por Roberto DaMatta - Estadão
Não há nada pior no Brasil do que não saber com quem se está falando. Aqui nós não nos apresentamos, somos apresentados e logo viramos amigos de infância. Nos Estados Unidos usam-se etiquetas, coisa impensável num país de celebridades esquecido de sua matriz aristocrática, patriarcal e escravocrata atada, porém, a uma república de raros republicanos.
A impessoalidade nos ofende porque somos obrigados a saber com quem falamos. Quando saímos de nosso segmento, sofremos o desconforto de viver o mal-estar imposto por um individualismo tocado a liberdade com igualdade. Entre nós a democracia é desejada, mas a sua alma igualitária é um problema. Como viver num lugar no qual o não saber o seu lugar é um direito?
Como e em quem votar sem o rumo das segmentações tradicionais? Não seria um absurdo permitir tantos presidenciáveis? Se o presidente é o “supremo mandatário da nação” e não a encarnação republicana no seu desejo cívico e se ele reina e fica acima das leis, como votar em sujeitos sem linhagem?
Vivemos desilusões. O que tipifica a maioria das promessas eleitoras é o milagre de dissolver a calamidade promovida pelo governo com o uso do seu outro lado: o Estado. Essa é a matriz o que o centrão, o esquerdão e o direitão oferecem ao eleitorado. As “esquerdas” e o “centro” vão da receita razoável às utopias sem as quais nem os governados por Donald Trump conseguiriam tocar a vida. No lado da “direita”, entretanto, esse setor que os cientistas políticos garantiam ser básico numa democracia, há promessas de retornos indesejáveis porque nenhuma ordem democrática pode se realizar pregando o preconceito de raça e de gênero e o cerceamento rotulados como “comunistas”.
Política é ponte. Não pode voltar a ser o caminho da censura, do medo e do patíbulo. A mentira, a hipocrisia, o compadrio ladravaz (de sangue, partido ou ideologia) – esses irmãos da corrupção e do radicalismo – são (vale lembrar Durkheim) inexoráveis, desde (nota bene) que jamais sejam transformados em ideais ou valores. Todos morreremos, mas não transformamos a morte em programa. Todos mentimos, mas não escolhemos a mentira com tamanha determinação como fazemos neste Brasil adormecido por ilusões ideológicas. Tenho sido chamado de conservador e, mais recentemente, de homofóbico e golpista simplesmente porque na minha obra tenho desmistificado a idealização do Estado como um instrumento fundamental e, para muitos, exclusivo de bem-estar social. Nosso salvacionismo está obviamente acasalado a pessoas (Pedros, Getúlio, Jânio, JK e Lula), mas, embora pessoal, ele exige a posse do aparelho estatal. A chamada revolução por dentro produz um resultado bem conhecido: ela dissolve as fronteiras entre Estado e governo. Se o Estado tem permanência, os governos passam, mas é precisamente a ausência dessa dinâmica que as ideologias embaralham no Brasil. Quando governo e Estado se culpam e se liquidam entre si, entramos nesse buraco da fechadura sem a chave. Mas, mesmo assim, aprendemos muito sobre os limites das ideologias.
Hoje sabemos que quanto mais impessoal, rígido e distante é o Estado, mais personalista e complacente será o governo. A malandragem, o jeitinho e o sabe com quem está falando não têm, como querem os ignorantes, origem étnica. São, isso sim, o fruto de um Estado patologicamente fiscalizado acima de tudo com seus inimigos, mas leniente e corrupto com seus aliados.
Um Estado rigidamente ideológico leva à ironia das práticas pessoais e ao culto de personalidade. Seu velho axioma de a lei para os inimigos e tudo para os amigos, esgotou-se. Num mundo digital e dotado de tecnologias de transparência, é muito difícil mentir, ocultar e operar dissimuladamente, por meio de múltiplas éticas. O que hoje se demanda é um diálogo menos antagônico e mais confiável entre Estado e sociedade. É exatamente isso que vai permitir votar sabendo em quem se está votando.
Não há nada pior no Brasil do que não saber com quem se está falando. Aqui nós não nos apresentamos, somos apresentados e logo viramos amigos de infância. Nos Estados Unidos usam-se etiquetas, coisa impensável num país de celebridades esquecido de sua matriz aristocrática, patriarcal e escravocrata atada, porém, a uma república de raros republicanos.
A impessoalidade nos ofende porque somos obrigados a saber com quem falamos. Quando saímos de nosso segmento, sofremos o desconforto de viver o mal-estar imposto por um individualismo tocado a liberdade com igualdade. Entre nós a democracia é desejada, mas a sua alma igualitária é um problema. Como viver num lugar no qual o não saber o seu lugar é um direito?
Como e em quem votar sem o rumo das segmentações tradicionais? Não seria um absurdo permitir tantos presidenciáveis? Se o presidente é o “supremo mandatário da nação” e não a encarnação republicana no seu desejo cívico e se ele reina e fica acima das leis, como votar em sujeitos sem linhagem?
Vivemos desilusões. O que tipifica a maioria das promessas eleitoras é o milagre de dissolver a calamidade promovida pelo governo com o uso do seu outro lado: o Estado. Essa é a matriz o que o centrão, o esquerdão e o direitão oferecem ao eleitorado. As “esquerdas” e o “centro” vão da receita razoável às utopias sem as quais nem os governados por Donald Trump conseguiriam tocar a vida. No lado da “direita”, entretanto, esse setor que os cientistas políticos garantiam ser básico numa democracia, há promessas de retornos indesejáveis porque nenhuma ordem democrática pode se realizar pregando o preconceito de raça e de gênero e o cerceamento rotulados como “comunistas”.
Política é ponte. Não pode voltar a ser o caminho da censura, do medo e do patíbulo. A mentira, a hipocrisia, o compadrio ladravaz (de sangue, partido ou ideologia) – esses irmãos da corrupção e do radicalismo – são (vale lembrar Durkheim) inexoráveis, desde (nota bene) que jamais sejam transformados em ideais ou valores. Todos morreremos, mas não transformamos a morte em programa. Todos mentimos, mas não escolhemos a mentira com tamanha determinação como fazemos neste Brasil adormecido por ilusões ideológicas. Tenho sido chamado de conservador e, mais recentemente, de homofóbico e golpista simplesmente porque na minha obra tenho desmistificado a idealização do Estado como um instrumento fundamental e, para muitos, exclusivo de bem-estar social. Nosso salvacionismo está obviamente acasalado a pessoas (Pedros, Getúlio, Jânio, JK e Lula), mas, embora pessoal, ele exige a posse do aparelho estatal. A chamada revolução por dentro produz um resultado bem conhecido: ela dissolve as fronteiras entre Estado e governo. Se o Estado tem permanência, os governos passam, mas é precisamente a ausência dessa dinâmica que as ideologias embaralham no Brasil. Quando governo e Estado se culpam e se liquidam entre si, entramos nesse buraco da fechadura sem a chave. Mas, mesmo assim, aprendemos muito sobre os limites das ideologias.
Hoje sabemos que quanto mais impessoal, rígido e distante é o Estado, mais personalista e complacente será o governo. A malandragem, o jeitinho e o sabe com quem está falando não têm, como querem os ignorantes, origem étnica. São, isso sim, o fruto de um Estado patologicamente fiscalizado acima de tudo com seus inimigos, mas leniente e corrupto com seus aliados.
Um Estado rigidamente ideológico leva à ironia das práticas pessoais e ao culto de personalidade. Seu velho axioma de a lei para os inimigos e tudo para os amigos, esgotou-se. Num mundo digital e dotado de tecnologias de transparência, é muito difícil mentir, ocultar e operar dissimuladamente, por meio de múltiplas éticas. O que hoje se demanda é um diálogo menos antagônico e mais confiável entre Estado e sociedade. É exatamente isso que vai permitir votar sabendo em quem se está votando.
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