Palavras do cárcere
Editorial da Folha de SP
Em sua primeira entrevista desde que foi preso há um ano, concedida a esta Folha e ao jornal El País, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) qualificou de modo um tanto tosco as forças atualmente instaladas no Palácio do Planalto.
A frase de Lula —"O que não pode é esse país estar governado por esse bando de maluco”— reflete, por óbvio, a perplexidade do mundo partidário tradicional com a ascensão de Jair Bolsonaro, abrigado no antes minúsculo e hoje desconexo PSL, cercado de generais reservistas em conflito com militantes de teorias da conspiração.
Tratando-se do PT, vencedor das quatro disputas presidenciais anteriores, o baque parece particularmente desconcertante. O habitual desembaraço retórico de seu líder não produziu uma análise lúcida dos motivos da derrocada, muito menos deixou ver um esboço de agenda alternativa viável.
O ex-presidente deu inequívoca demonstração de poderio eleitoral em 2018, quando, mesmo encarcerado em Curitiba, levou seu candidato ao segundo turno e ajudou a formar uma bancada ainda expressiva na Câmara dos Deputados.
Ao mesmo tempo, o pleito escancarou a rejeição veemente a Lula e sua legenda em setores ainda mais amplos da sociedade —seja pelos escândalos de corrupção, seja pela catástrofe econômica da qual o país até hoje não se recuperou.
Ao abordar o tema, o cacique petista ora menciona a satanização da política em geral, um fenômeno inegável, ora recorre às velhas fantasias persecutórias envolvendo imprensa, polícia, Ministério Público, Poder Judiciário e, não menos importante, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
A título de autocrítica, por sinal, não faz mais do que se lamentar por não ter promovido a famigerada regulamentação da mídia, uma bandeira carcomida de alas autoritárias de seu partido.
O discurso rançoso se repete na crítica à reforma das aposentadorias, como se ele e sua sucessora, Dilma Rousseff, não tivessem feito incursões meritórias, ainda que insuficientes, nessa seara. De modo falacioso, para dizer o mínimo, gaba-se de que a Previdência era superavitária em seu governo devido à geração de empregos formais.
Que o condenado e inelegível Lula proclame inocência e defenda seu legado, real ou imaginário, compreende-se. Grave, para a sanidade do debate político nacional, é que o PT se mantenha, com boa parte de seus satélites à esquerda, preso a uma mitologia.
A recusa em reconhecer os enormes erros morais e econômicos de suas gestões autoriza a leitura de que voltaria a cometê-los. Ao prometer o retorno à prosperidade dos anos lulistas, resultado de circunstâncias domésticas e internacionais peculiares, o partido está fadado ao estelionato eleitoral.
Sem oxigenar discurso e prática, nem mesmo estará bem posicionado para se aproveitar dos desgastes do insólito governo Bolsonaro.
Editorial da Folha de SP
Em sua primeira entrevista desde que foi preso há um ano, concedida a esta Folha e ao jornal El País, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) qualificou de modo um tanto tosco as forças atualmente instaladas no Palácio do Planalto.
A frase de Lula —"O que não pode é esse país estar governado por esse bando de maluco”— reflete, por óbvio, a perplexidade do mundo partidário tradicional com a ascensão de Jair Bolsonaro, abrigado no antes minúsculo e hoje desconexo PSL, cercado de generais reservistas em conflito com militantes de teorias da conspiração.
Tratando-se do PT, vencedor das quatro disputas presidenciais anteriores, o baque parece particularmente desconcertante. O habitual desembaraço retórico de seu líder não produziu uma análise lúcida dos motivos da derrocada, muito menos deixou ver um esboço de agenda alternativa viável.
O ex-presidente deu inequívoca demonstração de poderio eleitoral em 2018, quando, mesmo encarcerado em Curitiba, levou seu candidato ao segundo turno e ajudou a formar uma bancada ainda expressiva na Câmara dos Deputados.
Ao mesmo tempo, o pleito escancarou a rejeição veemente a Lula e sua legenda em setores ainda mais amplos da sociedade —seja pelos escândalos de corrupção, seja pela catástrofe econômica da qual o país até hoje não se recuperou.
Ao abordar o tema, o cacique petista ora menciona a satanização da política em geral, um fenômeno inegável, ora recorre às velhas fantasias persecutórias envolvendo imprensa, polícia, Ministério Público, Poder Judiciário e, não menos importante, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
A título de autocrítica, por sinal, não faz mais do que se lamentar por não ter promovido a famigerada regulamentação da mídia, uma bandeira carcomida de alas autoritárias de seu partido.
O discurso rançoso se repete na crítica à reforma das aposentadorias, como se ele e sua sucessora, Dilma Rousseff, não tivessem feito incursões meritórias, ainda que insuficientes, nessa seara. De modo falacioso, para dizer o mínimo, gaba-se de que a Previdência era superavitária em seu governo devido à geração de empregos formais.
Que o condenado e inelegível Lula proclame inocência e defenda seu legado, real ou imaginário, compreende-se. Grave, para a sanidade do debate político nacional, é que o PT se mantenha, com boa parte de seus satélites à esquerda, preso a uma mitologia.
A recusa em reconhecer os enormes erros morais e econômicos de suas gestões autoriza a leitura de que voltaria a cometê-los. Ao prometer o retorno à prosperidade dos anos lulistas, resultado de circunstâncias domésticas e internacionais peculiares, o partido está fadado ao estelionato eleitoral.
Sem oxigenar discurso e prática, nem mesmo estará bem posicionado para se aproveitar dos desgastes do insólito governo Bolsonaro.
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