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quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

A ERA DA MEDIOCRIDADE
Por Almir Pazzianotto Pinto, no jornal O Estado de S. Paulo

“Sempre há medíocres. São perenes. O que varia é seu prestígio e sua influência” (José Ingenieros

A mediocridade é ardilosa. Não ataca repentinamente. Avança sem pressa, como insidioso câncer. Apodera-se dos partidos, espraia-se pela economia, invade a mídia, explora as redes sociais. Ao nos darmos conta, os espaços públicos e privados já foram ocupados. Sobreviverão ilhas de inteligência e de caráter, habitadas por mulheres e homens capazes, cuja inferioridade numérica lhes dificulta a reação. Derradeiras esperanças são depositadas no aparecimento de alguém disposto a arregimentar o povo para campanha comprometida com a recuperação ética, cultural e econômica da Nação.

José Ingenieros (1877-1925) escreveu: “A psicologia dos homens medíocres caracteriza-se por um traço comum: a incapacidade de conceber uma perfeição, de formar um ideal. São rotineiros, honestos e mansos; pensam com a cabeça dos demais, compartilham a alheia hipocrisia moral e ajustam seu caráter às domesticidades convencionais (...). Não vivem para si mesmos, senão para o fantasma que projetam na opinião dos semelhantes. Carecem de linha; sua personalidade se borra como um traço de carvão sob o esfuminho, até desaparecer”. Registra Ingenieros que, ao se associarem, tornam-se perigosos, pois “a força do número supre a debilidade individual: juntam-se aos milhares para oprimir quantos desdenham encadear sua mente com os grilhões da rotina” (O Homem Medíocre, Ed. Ícone, SP, 2006).

Como definir o medíocre? Eça de Queiroz traçou-lhe o perfil na figura do talentoso Pacheco, José Joaquim Alves Pacheco. Em resposta à imaginária carta enviada pelo sr. E. Mollinet, interessado em saber quem é esse compatriota “cuja morte está sendo tão vasta e amargamente carpida nos jornais de Portugal”, escreveu Eça de Queiroz: “Eu casualmente conheci Pacheco. Tenho presente, como num resumo, a sua figura e a sua vida. Pacheco não deu ao seu país nem uma obra, nem uma fundação, nem um livro, nem uma ideia. Pacheco era entre nós superior e ilustre unicamente porque tinha um imenso talento. Todavia, meu caro Mollinet, este talento, que duas gerações tão soberbamente aclamaram, nunca deu, da sua força, uma manifestação positiva, expressa, visível! O talento imenso de Pacheco ficou sempre calado, recolhido, nas profundezas de Pacheco” (A Correspondência de Fradique Mendes).

O macunaíma medíocre não é reservado ou discreto. Além de inútil, é ambicioso e pedante. Alardeia a solução de problemas objetivos com frases feitas e ideias extravagantes. Analisa o povo como massa anônima e submissa. Conserva-se alheio ao mundo real, que lhe é indiferente e desconhecido. É por sua causa que continuamos subdesenvolvidos, analfabetos, pobres, sem saúde, sem educação, apesar de escorchante carga tributária. “O Brasil só não é subdesenvolvido na pretensão”, escreveu o jornalista Carlito Maia (1924-2002).

Analisemos o currículo dos membros da Assembleia Nacional Constituinte, escolhidos nas urnas após 20 anos de autoritarismo. Quando se esperava que o eleitorado atribuísse o ônus de representá-lo à elite ética, jurídica e intelectual, o que se observou foi o oposto. A preferência recaiu sobre maioria tacanha e despreparada. Depois de três décadas – tempo suficiente para a atrasada China se transformar em potência mundial – os resultados são constrangedores. O que esperar das eleições municipais de outubro? Políticos envelhecidos, ultrapassados, desacreditados espanarão a poeira do esquecimento para ressurgirem crentes na falta de memória, de interesse ou de vergonha do eleitorado. Aspirantes à vereança e às prefeituras disputarão o primeiro mandato investindo na fama conquistada como astros do palco e da televisão.

O progresso econômico deve-se a audazes pioneiros que acreditaram no agronegócio. Na indústria, breves lapsos de crescimento são acompanhados de anos de estagnação. O império da mediocridade pode ser avaliado no aumento da pobreza, nas filas do INSS, no desemprego de 12 milhões, na crescente violência, na desilusão dos jovens que buscam fazer a vida no exterior, na falência (para os pobres) dos sistemas de saúde e educação, no declínio da classe média. Escreveu Ingenieros que sob o governo da mediocridade “a política se degrada, converte-se em profissão”; “políticos sem vergonha existiram em todos os tempos e sob todos os regimes, mas encontram melhor clima nas burguesias sem ideais”.

O presidente Jair Bolsonaro derrotou o Partido dos Trabalhadores com o programa de combate à corrupção. Consumiu o primeiro ano do mandato na busca do equilíbrio fiscal e com a reforma da Previdência. Como se conduzirá em 2020? Governará para todos os brasileiros ou se dedicará à tarefa irrelevante de fundar legenda submissa, organizada à sua imagem e semelhança?

Dez meses nos separam de eleições destinadas à reconstrução da base da pirâmide política. Triunfará o desejo nacional de renovação, ou prevalecerá o domínio da mediocridade? É o desafio que pela enésima vez os eleitores serão chamados a decifrar.

(O autor, Almir Pazzianotto, é ADVOGADO, FOI MINISTRO DO TRABALHO E PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

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