Continua repercutindo, nas redes sociais, com opiniões contra e a favor, o cancelamento de uma sessão solene que seria realizada na Câmara Municipal de Santarém para comemorar os 153 anos da chegada dos confederados sulistas Norte americanos em Santarém e homenagear seus descendentes. Como recebi de alguns leitores do meu blog e desta página, indagações do tipo "quem foram os confederados?" - "o que os confederados norte americanos fizeram de bom pra Santarém?", tomei a iniciativa de pesquisar sobre o assunto e localizei esta narrativa feita pelo saudoso escritor/historiador Hélcio Amaral, que disponibilizo, a seguir, para leitura e opinião de leitores(as). E aproveito para transmitir meu abraço de solidariedade aos descendentes, ainda vivos, muitos dos quais conheço e admiro por serem pessoas dignas.
OS CONFEDERADOS: UM MARCO NO DESENVOLVIMENTO DE SANTARÉM
(Por Hélcio Amaral de Souza)
No dia 17 de setembro de 1867, ancorou no azul-esverdeado rio Tapajós o navio Inca, de roda na popa, transportando um grupo de passageiros bastante diferente. O mais distraído dos catraieiros poderia perceber nos semblantes rosados que emolduravam os olhos azuis e verdes dos recém-chegados, o espanto e a admiração pela beleza ímpar do encontro das águas e pela a brancura da areia que ornava a cidade que os recebia como novo lar.
Os viajantes, apoiando-se no pára-peito do pequeno navio, aguardavam o desembarque enquanto as crianças corriam no convés, misturando-se aos catraieiros que, apressadamente, procuravam os passageiros para transportá-los até a praia e por não entenderem seu idioma faziam mímica para se comunicar. As senhoras elegantemente vestidas, trajavam indumentárias incompatível com o calor arrefecido pela constante brisa matinal que soprava generosamente. Ali estavam famílias distintas, como os Vaughan, os Pitts, os Jennings, os Emmett, os Steele e outras de agricultores oriundos do Tenesse, Alabama e Mississipi, além de forasteiros e aventureiros embarcados no porto de Móbile. Todos foram recepcionados cordialmente pelo Coronel Miguel Antônio Pinto Guimarães, o qual tinha a responsabilidade de recebê-los, hospedá-los e assisti-los por um período de seis meses. O Major Hastings mantinha a promessa da chegada de outro navio com mais ex-confederados, pois seu plano era trazer quatrocentas pessoas para a Amazônia. Os Renington, os Riker, os Wallace, os Rhome, chegaram depois. Para alguns seria um lugar passageiro, para outros, um lar permanente onde a nova pátria cederia um pedaço de solo para a morada eterna e suas ações e familiares os perpetuariam na história.
Para abrigá-los tinham sido construídos barracões cobertos de palha e chão batido até que as casas assoalhadas fossem concluídas e entregues aos seus donos. As famílias abriram as estradas Urumari-Mararu, terminando no Diamantino, alcançando o platô, ao sul da cidade de Santarém. Ali se localizavam as novas propriedades, destacando-se a fazenda Diamantina - de propriedade dos Riker, responsáveis pelo primeiro plantio racional de seringueiras na Amazônia. A estrada do Bom Gosto terminava na propriedade Piquiatuba - de propriedade dos Vaughan e dos Jennings, os quais se destacaram não só pela agricultura como também pela fabricação de pólvora, prego e leite condensado.
Os ex-confederados foram os primeiros a cultivar as férteis terras pretas localizadas no platô. O extrativismo, modelo econômico praticado na região, não os agradou, e preferiram algo mais consistente, como a agricultura mecanizada, com técnicas que assegurassem superávitfinanceiro, com venda do excedente. Assim partiram para o cultivo do milho, do arroz, da banana, da mandioca, da melancia e do feijão manteiguinha, cujas sementes trouxeram em suas bagagens. Acreditavam, também, na cultura permanente e por isso iniciaram a plantação de abacate, cacau, seringueira e cupuaçu. A grande procura e o alto valor comercial do açúcar mascavo e da aguardente os levaram ao plantio de cana-de-açúcar e ao aprimoramento de sua industrialização, com moendas movidas à força hídrica ou à caldeira, as quais eram aquecidas com lenha e evaporadores de grande proporção, que propiciava um maior aumento na produção.
Os métodos modernos e progressistas empregados na agricultura, como o arado e o carroção motorizado, trouxeram grande progresso à região. O carroção motorizado, construído em Santarém nos anos setenta de século XIX, pelo Reverendo Richard Tomas Henington, ministro da Igreja Episcopal Metodista, é considerado o primeiro carro motorizado fabricado no Brasil, embora sua máquina fosse movida a vapor. As atividades agrícolas, na sua maioria, usavam o arado de tração animal, oferecendo maior conforto e produtividade aos agricultores.
Não se pode deixar de mencionar o Sr. Clarence Riker, descendente dos ex- confederados, que após regressar aos Estados Unidos fundou uma indústria farmacêutica, da qual foi seu diretor-presidente por muito tempo. Hoje aquele empreendimento transformou-se na multinacional SIDNEY ROSS & CIA.
O Reverendo Richard Henington teve uma atuação marcante junto à comunidade dos ex-confederados: tinha a função de tratar dos dentes dos imigrantes, celebrar batizados e casamentos, bem como pregar o evangelho. Por ser evangélico, era também chamado de “padre americano”. A ele são devidas preciosas informações sobre o cotidiano da época e a realização de importantes obras de engenharia, como a construção do primeiro trapiche de Santarém, local onde hoje localiza-se o Terminal Fluvial Turístico, a construção do “carroção motorizado”, a montagem de uma serraria a vapor, de uma carpintaria mecanizada e de uma loja para ferreiro, e a fabricação de embarcações de madeira. Estas obras o destacaram na história de Santarém.
Josiah H. Pitts, conhecido como Dr. Pitts, serviu o exército confederado como oficial médico durante a Guerra da Secessão. Aqui se dedicou à atividade agrícola sem, contudo, deixar de exercer sua profissão, dedicando-se posteriormente à fabricação de barco de madeira como única atividade. Transferiu-se, mais tarde, para a então pequena cidade de Oriximiná onde faleceu. Seu corpo repousa às margens do igarapé Iripixi, naquela cidade, onde hoje funciona a olaria Iripixi.
A família Jennings pouco participou das atividades agrícolas. Entretanto, preferiu mudar-se para a cidade e instalar, onde hoje se encontra o Mercado Municipal de Santarém, uma serraria movida à caldeira e um estaleiro para construção de barcos. Desse modo, conseguiram recurso financeiro suficiente para fazer várias viagens aos Estados Unidos em busca de novos negócios. Guilherme Jennings encerrou suas atividades em Santarém no final do século XIX e mudou-se definitivamente para os Estados Unidos. Naquele país montou uma fábrica de lâminas de barbear que se tornaram mundialmente conhecidas como Lâminas “WILLIAMS”.
Os ex-confederados procuraram se estruturar cultural e espiritualmente criando escolas e igrejas evangélicas, instituições imprescindíveis às suas vidas. Foram eles que trouxeram as primeiras igrejas evangélicas para o Brasil, facilitando a vinda e a permanência de inúmeros pastores protestantes. Contribuíram com o desenvolvimento econômico da região e influenciaram a religião e a cultural local. Algumas famílias retornaram aos Estados Unidos, outras se mudaram para São Paulo, mas as que permaneceram aqui ajudaram a fazer a história de Santarém e do baixo Amazonas.
Esse tipo de radicalismo tem um nome: imbecilidade humana. Quanta vergonha, o historiador Hélcio Amaral, uma doçura de pessoa, deve ter virado no túmulo. Quanta crueldade e falta de humanidade.
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