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domingo, 25 de outubro de 2009

Ser avô

Dizem que as declarações de avô são como as cartas de amor segundo Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa: são todas ridículas. Por isso, jurei que jamais pagaria mico.

Ao contrário de Verissimo, Ziraldo, Ancelmo, Garcia, para citar os mais conspícuos, sou um avô do tipo discreto, reservado, que não gosta de contar vantagens. Quem quiser que se vanglorie.

Prometi a mim mesmo que quando nascesse meu primeiro neto ou neta, não repetiria aqueles gestos piegas, aqueles derramamentos sem pudor dos avôs em geral.

Nunca, por exemplo, alguém me ouviria dizer que ser avô é ser pai com açúcar. Por mais que tivesse vontade, eu me conteria diante do bercinho e não diria: "Ah, que gracinha!", "Como ela é viva!". Prometi e cumpro, mantendo autocrítica e distanciamento em relação à minha primeira neta.

Sou um avô tão modesto que, mesmo agora, quando as pessoas garantem que Alice, com poucos dias de nascida, já se parece comigo, é linda, tem os meus olhos, a minha boca, o meu jeito de sorrir e às vezes, virando-se para mim, consegue murmurar algo que cheguei a identificar nitidamente como "vô" (com pronúncia fechada, certamente para não acharem que ela está chamando a "vó"), mesmo assim, não saio por aí exaltando essas proezas e nem venho a público alardeá-las. Não importa que sejam os outros a dizer e que seja tudo verdade, guardo só para mim, não sou de apregoar.

O máximo que pensei fazer foi publicar a foto dela ali em cima, mas não para exibi-la, que ela não gosta dessas coisas, é discreta, saiu ao avô, mas para que os leitores do GLOBO pudessem ver com seus próprios olhos o que os visitantes, encantados, estão dizendo dela. Só para isso.

Meu editor, porém, achou melhor não. Ele alegou que abriria um perigoso precedente, porque iriam aparecer na redação outros avôs reivindicando igual direito, ainda que suas netas não fossem fotogênicas como Alice.

Vocês com certeza gostariam que eu repetisse o que está sendo dito de minha neta, mas resisto, acho ridículo ficar expondo num jornal sentimentos tão particulares. Aqui não é o lugar.

O que os leitores têm a ver com essas histórias? Por que eles se interessariam em saber que Alice, diferentemente de outras crianças da sua idade, é fora do comum e tão precoce que no meio de tanta gente já sabe distinguir o seu vô?

Como detesto excesso de efusões e arroubos de vaidade, prefiro disfarçar essa satisfação. É uma questão de foro íntimo. Em primeiro lugar, a privacidade de Alice. Nada de despertar narcisismo nela. Que ela saiba de suas extraordinárias virtudes pelos outros, não por mim. Sou assim, um recatado pai com açúcar, o que posso fazer?

Ah, sim, esqueci de dizer que Alice tem mãe, Ana, e pai, Mauro. Mas isso é apenas um detalhe.

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(Crônica de Zuenir Ventura, transcrita de O Globo de 24.10.2009)

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