Regivaldo Pereira Galvão, conhecido como Taradão, o segundo acusado de mandar matar a missionária norte-americana Dorothy Stang, crime cometido em 12 de fevereiro de 2005, no município de Anapu, no Oeste do Pará, foi condenado ontem pelo Tribunal do Juri, a29 anos de reclusão, com mais um ano de agravante, por ser a vítima uma idosa, na época com 73 anos, e que não teve chance de defesa.
Horas antes do anúncio da sentença, durante o depoimento de Regivaldo, a defesa conduziu as perguntas a fim de desvincular o acusado e Vitalmiro Bastos de Moura, o "Bida", primeiro condenado como mandante do assassinato da religiosa. Segundo o réu, já em dezembro de 2004, ou seja, dois meses antes de Rayfran das Neves acertar seis tiros na religiosa, ele não tinha mais relação alguma com as terras da gleba 55, as quais já haviam sido vendidas para Vitalmiro, o qual, por sua vez, negociou parte da propriedade com Amair Feijoli da Cunha, o "Tato", condenado por servir como intermediário na contratação do pistoleiro para cometer o crime.
A equipe de defesa, coordenada pelo advogado Jânio Siqueira, sustentou que Amair envolveu Regivaldo para conseguir a delação premiada, a qual resultou em uma pena de 19 anos, ao invés de 27 anos, por ter intermediado a contração do pistoleiro para matar Dorothy.
O advogado assistente, César Ramos da Costa, chamou atenção dos jurados para "não condenar o acusado em caso de dúvidas". "Ninguém pode ser condenado se não houver provas. E, nesse caso, não há provas suficientes para condenar o réu", argumentou.
Promotor - Para convencer o juri, a acusação, liderada pelo promotor de Justiça Edson Cardoso, pontuou o histórico da gleba 55, em Anapu, mostrando que a primeira compra data de 1977 e a segunda de 1999, esta feita por Libério Nascimento. Segundo o promotor, trata-se de um "laranja" usado por Regivaldo para negociar os mais de três mil hectares da área, depois incluída no Plano de Desenvolvimento Sustentável para Anapu.
A acusação apontou Valdevino Felipe de Andrade como o "capataz" do réu que servia para negociar as terras de forma ilegal, em nome de Regivaldo. Este homem teria vendido as terras para Vitalmiro, em abril de 2004. "Ele sempre esteve nas sombras, usando nome de terceiros para burlar o imposto de renda e cometer crimes", afirmou o promotor.
Edson Souza mostrou que a relação entre "Bida" e Regivaldo se estendia até agosto de 2006, quando o pagamento da dívida feita em abril, tendo Valdevino como credor, terminaria com o pagamento de 22 arrobas de gado. A acusação mencionou ainda que, em outubro de 2008, Regivaldo arregimentou colonos para irem ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e tentar legalizar para si as terras da gleba Bacajá, onde Dorothy foi morta. "Não quero que olhem a ideologia da vítima ou do réu, mas apenas vejam os fatos apresentados. Dorothy foi morta não porque invadia ou estimulava invasão de terras, mas sim porque questionava os que se beneficiavam das terras públicas com esquemas criminosos. A negociação de terras ilegais era a vida deles e ela foi buscar essa ferida. Foi esse o principal motivo de sua morte", assegurou o promotor.
Tensão e bate-boca no plenário marcaram o início do julgamento
O julgamento de Regivaldo Pereira Galvão, o "Taradão" iniciou de forma tensa, com discussão entre acusação e defesa. Houve bate-boca após o advogado de defesa, Jânio Siqueira, solicitar ao juiz Raimundo Flexa, que presidia o júri, que a advogada Mary Cohen, da Comissão de Direitos Humanos da OAB-Pará, se retirasse do plenário porque a sua presença estava "incomodando" a defesa. Regivaldo Galvão é acusado de junto com o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o "Bida", ter mandado matar a missionária, em fevereiro de 2005.
A sessão começou pouco depois das 8 horas e contou com a presença de várias autoridades, como o jurista e constituinte, Plínio de Arruda Sampaio e a cônsul dos Estados Unidos, no Pará, Cristine Serrão, além de um grande número de profissionais da imprensa nacional e internacional. Foi nesse cenário, que após a oitiva das três testemunhas de acusação, o advogado Jânio Siqueira, pediu que a advogada Mary Cohen se retirasse do plenário. "A presença dela (Mary Cohen) ali, ao lado do juiz, sugestiona uma certa autoridade. Além disso, ela atuou no processo na assistência de acusação (de maneira informal)", disse o advogado.
Após o depoimento do delegado Uálame Machado, um outro pedido da defesa causou polêmica e foi indeferido pelo juiz. O advogado assistente de defesa, César Ramos da Costa, solicitou que o réu, Regivaldo Galvão, ficasse ao lado dos advogados de defesa, o que o colocaria de frente para as testemunhas. Também foi pedido papel e caneta para o réu. Porém, nenhum dos pedidos foi aceito pelo juiz, que fez referência ao rito do tribunal do júri e à necessidade de que as testemunhas não sofram nenhum tipo de constrangimento, daí porque o réu tem que ficar de costas para as testemunhas. "Isso já acontece em alguns estados, como o Rio de Janeiro. O réu fica ao lado de sua defesa para trocarem ideias sobre a defesa. Mas, a justiça local agiu de forma conservadora e não acatou esse pedido que tem base na Constituição Federal", defendeu Siqueira.
O promotor de justiça, Édson Cardoso, classificou como "descortesia" o pedido de Jânio Siqueira para que a advogada Mary Cohen, da Comissão de Direitos Humanos da OAB-Pará, se retirasse do plenário. O advogado de defesa rebateu, alegando que o promotor não teria autoridade moral para analisar seus atos. O clima esquentou entre defesa e acusação e houve discussão. O juiz Raimundo Flexa chamou a atenção das duas partes e informou que como magistrado ele possui a prerrogativa de convidar pessoas a se sentarem a sua direita no plenário. O juiz pediu desculpas à advogada, mas, mesmo assim, Mary Cohen se retirou do plenário, sendo acompanhada pelo jurista Plínio de Arruda Sampaio e do procurador da República, Felício Pontes Júnior, que também estavam sentados ao lado do juiz.
Para o jurista Plínio de Arruda Sampaio, que atuou como constituinte e é um dos responsáveis pela consultoria que resultou na composição do capítulo "Do Poder Judiciário" da Constituição Federal, o pedido da defesa para colocar o réu de frente para as testemunhas era com a intenção de intimidação. "O latifúndio age dessa forma, com a intimidação, ameaça e a coação e era essa a intenção da defesa", criticou o jurista, acrescentando que sempre esteve ligado a causa da reforma agrária, tendo sido autor do projeto de reforma agrária, em 1964, o que lhe rendeu um exílio de 12 anos fora do país. "É preciso destacar que esse pedido não foi inocente. Além disso, esse julgamento é importantíssimo para a reforma agrária no país, já que é a segunda vez que alguém acusado de ser mandante de uma morte no campo senta no banco dos réus", acrescentou.
Testemunhas falaram pela manhã. Quatro foram dispensadas.
O conselho de sentença foi formado de cinco homens e duas mulheres. Ao todo foram dispensadas quatro das sete testemunhas de acusação, das quais uma delas não compareceu ao julgamento. As outras três prestaram depoimento. São elas: a irmã Roberta Lee Spire, que era amiga da missionária; o ex-chefe da unidade avançada do Incra, Bruno Kempner; e o delegado da Polícia Federal, Uálame Machado. Ainda pela manhã, foram ouvidas também duas das cinco pessoas arroladas pela defesa: o corretor de imóveis, Libério Nascimento e o funcionário do Incra, Antonio Elídio. A testemunha Joyce Lima foi dispensada.
A Irmã Roberta Spire falou sobre a militância de Dorothy Stang, atuando na defesa dos direitos dos trabalhadores rurais e do meio ambiente. Segundo ela, a missionária já havia formalizado várias denúncias de desmatamento junto aos órgãos competentes, citando vários nomes de fazendeiros e empresários, incluindo o de Regivaldo Galvão. O segundo a falar foi o ex-chefe do Incra, Bruno Kempner, que foi taxativo ao ressaltar que constatou in loco o desmatamento denunciado pela religiosa e que convocou "Taradão" para prestar esclarecimentos. Nas duas audiências, ele teria comparecido acompanhado de "Bida", que foi apresentado ao ex-chefe do Incra como sendo sócio de "Taradão". Regivaldo trabalhava com a venda de terras e estaria trabalhando na transação de venda do lote 55 para "Bida".
Já o delegado Uálame Machado, da PF, reafirmou em seu depoimento que o vídeo de entrevista gravado com Rayfran e Tato, no complexo do presídio de Americano, em abril de 2005, foi feito pela própria polícia e que não houve nenhuma forma de constrangimento ao preso.
As duas testemunhas de defesa, Libério Nascimento (corretor de imóveis) e o funcionário do Incra Antonio Elídio limitaram-se a falar de aspectos técnicos de como funciona a compra e venda de imóveis, legalização de terras, captação de financiamentos, entre outros aspectos relativos à terra. À tarde, a sessão foi retomada com a oitiva de Amair Feijoli da Cunha, acusado de participação no crime; e a mulher dele, Elizabeth da Cunha. Ambos foram ouvidos na condição de informante, e não de testemunha.
Comitê - Em frente ao prédio do Tribunal de Justiça, o Comitê Dorothy Stang montou acampamento, com integrantes do movimento e trabalhadores rurais que vieram do interior do Estado. Com cartazes e faixas, o movimento pedia justiça e punição a mais um acusado de participar como mandante do crime. Familiares e amigos do réu Regivaldo Galvão também compareceram à sessão, vestindo camisas com a frase "Regivaldo inocente". (Fonte: Amazônia)
ELEGIA À DOROTY
ResponderExcluirHomens mortais,olhem para o norte.
Torçam as mãos, batam os pés
e gritem de tristeza, por causa
de todas as coisas más e nojentas,
que os rebeldes estão fazendo,
por que Doroty não teve medo.
Mesmo vivendo no meio de escorpiões,
ela desafiou as bestas covardes,
que a dizimaram sem piedade,
naquela terra onde reina a maldade.
Há décadas, pessoas são mortas
por toda a parte na cidade,
que está cheia de violência.
Doroty conhecia a urgência de cada dia,
nesse mundo que só nos dá um dia de cada vez,
sem nenhuma garantia do amanhã.
A história crê em mulheres concretas.
Com sexo, com nome, com ideais, com biografia.
O destino das mulheres em que acredito é bendito!
E a morte devolve-lhe a vida, a honra, a glória.
Regina Rousseau