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domingo, 5 de setembro de 2010

Vencendo o câncer

Em seu Blog do Alencar, o desembargador federal do Trabalho, José Maria Quadros de Alencar, que acaba de extirpar um câncer, faz este emocionante relato:

"Um de cada seis homens vai ter câncer de próstata. Se os homens chegássemos aos cem anos, seria quase certo que todos teríamos câncer de próstata. Um em cada seis é mais ou menos 18%. Desses dezoito em cada cem homens, só três morrem em decorrência do câncer. Quinze se salvam, pois câncer de próstata tem cura.

E a cura começa com a prevenção, feita basicamente com dois exames bem simples. Um, de sangue, mede o antígeno prostático específco (PSA) que é o melhor marcador - digamos assim, um medidor - de eventuais alterações na próstata. É barato e deve ser feito a partir de uma certa idade, dependendo dos antecedentes familiares. O outro exame, complementar ao primeiro, é o toque retal, barato e eficaz. Dependendo do protocolo que o urologista seguir e, admitamos, o gosto do freguês, pode ser feito um exame com ultrassom. A rotina dessa prevenção - anual - faz toda a diferença e pode colocar o homem entre os três que vão morrer ou os quinze que vão se salvar. É essa, serenamente, a escolha a fazer.

O exame de sangue (PSA) já faz parte da rotina de muitos homens, por iniciativa própria ou estimulados pela família (muitas vezes é a mulher que marca a consulta para o homem) ou pelas empresas e organizações. O passo seguinte, a ida ao urologista para o exame de toque retal, enfrenta preconceitos, geralmente sob a forma de rejeição associada a um machismo despropositado ou ao temor de um achado. Aos machões parece que o toque retal pode reduzir a masculinidade. Vai ver que não estão tão seguros assim...O que os machões precisam saber é que o diagnóstico precoce favorece a preservação da ereção e não o contrário. Explico. O toque retal permite o diagnóstico do câncer no seu estágio inicial. Se no toque o urologista encontrar alguma anomalia, ele pede uma biópsia prostática. As amostras são retiradas através do reto, com ajuda de uma sonda transretal (ultrassom) e uma agulha que recolhe fragmentos da próstata (o procedimento é feito com anestesia e no atual estado da arte não causa desconforto). A biópsia confirmará se há ou não câncer (adenocarcinoma) e o grau de comprometimento da glândula, conforme um escore que vai de 1 a 10 (escore de Gleason). O resultado da biópsia determinará a estratégia terapêutica a ser escolhida pelo médico e pelo paciente. Quando o câncer é diagnosticado no seu estágio inicial, é possível salvar um ou até mesmo os dois enervamentos (feixes de nervos) que controlam a ereção e, com isso, reduzir o risco de disfunção erétil após a terapia escolhida. Quando o diagnóstico não é precoce, além de aumentar o risco para o paciente, a disfunção erétil é praticamente certa. Trocando em miúdos, o toque retal ajuda a preservar a masculinidade e não o contrário.

A esta altura o leitor deve estar curioso para saber o porque desse lero todo.Também explico. Eu acabo de passar por essa experiência.

Há muitos anos faço prevenção de câncer de próstata, anualmente, pois tenho antecedentes na família. Sempre fazia o exame de sangue (PSA) e o ultrassom (graças a um desses ultrassons encontrei anos atrás um cálculo na vesícula biliar, um achado que me permitiu fazer uma cirurgia eletiva tranquila). Mais recentemente o protocolo adotado incluiu o toque retal. Nos últimos quatro anos o PSA cresceu de forma consistente, mas nada de anormal aparecia no ultrassom e no toque retal. Este ano, um pouco antes de fazer o Caminho de Santiago - relatei aqui no blog dia por dia - fiz o PSA e ele havia aumentado mais uma vez. Como estava com tudo pronto para fazer o Caminho, deixei para ir ao urologista depois. Fiz o Caminho sem problemas, não senti nada, nenhum sintoma. O Caminho me fez bem para o corpo e para a mente. Quando voltei para a academia a avaliação física indicou um resultado muito bom, quase de atleta.

Fui ao urologista ao voltar e no toque ele encontrou uma anomalia e requisitou uma biópsia saturada da próstata. Foram recolhidos 21 fragmentos que formaram sete amostras. O resultado saiu na primeira quinzena de julho. Das sete amostras, quatro tinham adenocarcinomas (80%), sem invasão neural e com escore de Gleason de 4 + 3 (total 7), indicativo de uma gravidade aceitável e sugestiva de possibilidade de cura. Era o meu encontro com o câncer de próstata. Uma notícia ruim e outra boa. A boa era que o câncer parecia confinado à próstata e tinha cura. Exames preoperatorios - cintilografia óssea e tomografias - pareciam confirmar que não havia mesmo metástases. Esperei meu urologista voltar das férias e apresentei-lhe o resultado. Ele deixou-me a vontade para uma segunda consulta e sugeriu o médico com quem ele fizera residência em São Paulo. Como eu tenho muita confiança na técnica e na ética de meu urologista Júlio Bernardes, dispensei essa segunda consulta e optei pela extração radical da próstata, já sabendo que a chance de cura era alta e daria para salvar um dos enervamentos graças ao diagnóstico precoce. Admito que ter feito primeiro o Caminho de Santiago me ajudou muito, pois ao fazer essa escolha estava muito bem fisica e mentalmente. Essa é lição que agora aprendi: manter uma atividade física regular ajuda muito.

Depois de um cuidadoso preoperatório - que incluiu idas a cardiologista, neurologista e anestesiologista - extraí a próstata, a vesícula seminal e um dos enervamentos no dia 17 de agosto, terça-feira. A cirurgia correu bem. Fiquei um dia na UTI e quatro dias em um quarto do Hospital Guadalupe. Saí no domingo seguinte e estou tendo uma rápida recuperação, para a qual ajudou a preparação física e a boa saúde mental, mas muito, e muito mesmo, o apoio da minha família - minha esposa Araceli, meu irmão, meus enteados, enteada, genro, noras e netas - e das amigas, amigos e colegas, de todos os credos, que com suas preces, energias e cuidados me levam a uma surpreendentemente rápida recuperação.

Faço fisioterapia desde o terceiro dia no hospital. Os exercícios são parecidos com os que fazemos nos aparelhos da academia, só que usando um elástico. O primeiro, mais fraquinho, já rompi. Levo uma vida com poucas restrições. Basicamente, depois de 17 dias usando sonda uretral, estou reaprendendo a ... urinar!

Hoje recebi o resultado da biópsia confirmando que o câncer estava mesmo confinado à próstata. Em medicinês, o estadiamento é pT2c. Foi a melhor notícia que poderia receber. Agora vou continuar fazendo o acompanhamento periódico e mudar os protocolos para incluir outras prevenções.
O câncer me colocou cara a cara com a finitude da vida, da qual passei a ter, reconheço, outra compreensão, outra visão. Valorizo cada instante, por mais simples e singelo que seja. Como faziam os antigos, carpe diem...

Sou grato ao Doutor Julio Bernardes e todos os médicos que me ajudaram (Steven Pinheiro, Fábio Moraes, Paulo Toscano, Scylla Lage, Ruy Borborema, Augusto Borborema, ao anestesiologista, aos intensivistas, aos técnicos e enfermeiras do Hospital Guadalupe), aos meus familiares e amigos, que muito me ajudaram a ingressar em um novo ciclo de vida, muito melhor que o anterior, reconheço.

Se um dia fosse escrever minhas memórias - tranquilizem-se, pouparei vocês desse suplício - o capítulo destinado a este ano de 2010 talvez tivesse por título O Ano do Câncer.

Resolvi tornar pública esta experiência para ajudar os homens que tinham dúvidas sobre o toque retal.Alguns são salvos pelo gongo, outros pelo toque retal... Foi meu caso.E pode ser o seu, meu caro amigo".

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