A primeira vez que fui à Alenquer foi num passeio do Dom Amando. Chegamos nós, em uma manhã de sol sorridente e fui encaminhado para a casa do Sr. Megale, onde me trataram como um rei. À noitinha, Leopoldino me levou à sua residência para conhecer dona Sibila e para um jantar temperado com amizade. Jamais esqueci essa experiência de adolescente.
Foi a primeira vez que encostei um cigarro na boca, já que estava ali, “escondido” do meu pai e, portanto, podia comprar com os trocados que ele me deu, no bar Blue Star, uma carteira de Aspirante para que eu me sentisse “mais homem”, como era a praxe em nossos tempos de colegial. Foi, realmente, uma experiência inesquecível, meu caro colega, esse passeio a Alenquer.
Anos após, já com 20 anos, cheguei à terra chimanga também numa bela manhã de sol, trazido pela inesquecível lancha Marilita e seu passo de jabuti, por causa da lenha verde que utilizava como combustível naquela e em outras tantas viagens. Nunca me saiu da memória: na véspera, em torno de seis e meia da tarde, deixei minha mãe chorando na porta de casa e fui levado para bordo da lancha pelo meu pai,que atou a rede,me deu algum dinheiro e me disse: “Agora é contigo! Boa sorte!”
Confesso que nossos olhos marejaram na ocasião: o por do sol, a despedida, o apito da lancha, a nova vida que vinha pela frente, tudo contribuiu para a emoção.
Quando o barco zarpou, deitei na rede e comecei a chorar. Ali eu deixava de ser adolescente e me tornava um homem de verdade. Ia ser funcionário do Banco do Brasil. Tomei posse na velha agência ali da Colombiano Marvão, perto da casa da dona Laurieta, próximo ao Megale, ao Cláudio Guimarães, à casa do Atico, ao Cartório da dona Onezífora, ao belo prédio do Grupo Escolar, aliás, perto de tudo, que tua terra era tão pequenina que nós nos sentíamos como dentro de uma casa só, cheios de amizade, tanta era a fidalguia com a qual nos distinguiam, meu amigo.
Ah!, quantas saudades desses tempos inocentes na tua terra natal!...
Vou desfiando lembranças, como elas vão surgindo, agora, na memória. Nunca esqueci da imagem do Bené Monteiro (Internacionar, u puvu de Alenquer te aclama... bonito -) desfilando pela rua todo sujo e humilhado como se fosse um criminoso, só porque havia cometido o crime de ser patriota, mas de um modo diferente dos que estavam, então, na linha dura do poder.
Jamais vou esquecer, também, aquelas marcas de balas na delegacia, cicatrizes eternas da chacina do homem que ousou enfrentar os balateiros... e os comícios acalorados (que, quase sempre, terminavam em “porrada”).., e o sax do Oracílio, o trombone do China, as festas folclóricas do Nego, o Leal do mercado, o bar do Senado, o Valete... ih!, rapaz, a “Chica Loura”..., o Internacional, o União, o Santa Cruz (constituído só de moças da sociedade alenquerense), o Frei Francisco, a Festa de Santo Antonio, o arraial animado, o poço da dona Coló lá no fim da rua, onde tomávamos banhos no fim de tarde... e já que eu falei em banho, me lembrei do velho Miléo na beira do rio, das pescarias no fim da ponte do Trapiche, dos “assustados” carnavalescos, os carapanãs da rua da frente, na “boca da noite”... a rivalidade entre Aningal e Luanda... o Pacoval, o lindíssimo lago do Curumu e suas arraias, o Mesquitinha, o bar do Teixeira (que uma tarde foi invadido pelo Elizeu, a cavalo. Todo mundo correu e ele levou as bolas de sinuca...).
Pois é, amigo. As lembranças são tantas. Tantas mesmo, que eu não resisti e fiz um poema em homenagem à nossa (sim, nossa, pois não vou deixar só pra ti, não) Alenquer:
ALENQUER, QUANTA SAUDADE
DA MINHA TERRA NATAL.
DE REVER MINHA CIDADE
E SEU POVO CORDIAL.
SANTO ANTONIO ALENQUERENSE,
MÊS DE JUNHO, NO ARRAIAL,
TINHA TUDO, AH! NEM PENSE!
NESSA FESTA SEM IGUAL.
SANTO ANTONIO DE ALENQUER,
ARRAIAIS DO MÊS DE JUNINO,
VOU REVER-TE, SE PUDER,
AH!... MEUS TEMPOS DE MENINO.
VOU TOMAR BANHO, NADAR,
LÁ NO RIO SURUBIÚ,
VOU VER A GARÇA POUSAR
NO LAGO DO CURUMU...
VOU REVER MINHAS LEMBRANÇAS
NA LUANDA E NO ANINGAL,
MINHAS BEM-AVENTURANÇAS,
ALENQUER, NÃO TENS IGUAL!
(Crônica escrita a pedido de um amigo, Eliezer, alenquerense dos bons)
Dr. Wilson, excelente cronista, já é um cidadão alenquerense, de coração. Nossa cidade agradece.
ResponderExcluirErcio,
ResponderExcluirSou ximanga e leitora do teu blog que é, na verdade, porta voz de todos nós que nascemos e vivemos em cidades da região do Baixo Amazonas. Cultura, arte, costumes, pessoas,tudo encontramos no O Mocorongo que nos faz recordar tanta coisa boa que testemunhamos e até participamos na nossa infância, na nossa juventude e de cabelos brancos. Gostei bastante desta crônica e também da homenagem que fizestes ao nosso conterraneo Benedito Monteiro. Recebe as minhas saudações. Marcia de Lima Cavalcante - Belém
Como alenquerense longe da terra natal, esta crõnica me trouxe lágrimas aos olhos. Parece que eu estou vendo minha cidade, ao vivo. Parabéns ao escritor.
ResponderExcluirAS
Só mesmo muita sensibilidade para escrever coisas assim tão gostosas. Parabéns ao autor da matéria.
ResponderExcluirSuely, Belém.
Alenquer virou a Pasargada de muita gente. Podes crer.
ResponderExcluirJosé Wilson está feliniano, nesta crônica.
Márcio Leal, Altamira.