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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

MPF fiscalizará a saúde pública no Pará

O Ministério Público Federal (MPF) vai fiscalizar a Santa Casa e os hospitais conveniados com o SUS para verificar a infraestrutura e o atendimento destes locais. A decisão foi do procurador regional dos Direitos do Cidadão, Alan Rogério Mansur Silva, que mediou ontem uma reunião com representantes do Sindicato dos Médicos do Pará (Sindmepa), do Conselho Regional de Medicina (CRM) e com o secretário de Saúde do Estado, Hélio Franco. Já o Ministério Público Estadual (MPE) informou, ontem à tarde, que vai entrar com ação penal para que sejam apuradas na Justiça as responsabilidades pela morte dos bebês e de omissão ao atendimento à mãe das crianças. Entretanto, a promotoria a assumir o inquérito dependerá das investigações policiais e dos laudos periciais que serão divulgados.

Segundo o MPE, se as provas ou os indícios suficientes demonstrarem a ocorrência de crime contra criança, a ação será movida pela Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude para que sejam apuradas na Justiça as responsabilidades pelo fato, caso em que, havendo eventual crime de omissão de socorro à mãe, este também será julgado na Vara de Crimes contra Criança e Adolescente. Caso o laudo pericial informe que as crianças nasceram mortas, a atribuição para atuar no caso será de uma das Promotorias de Justiças Criminais do Ministério Público, pois a vítima terá sido a mãe.

Já na reunião do MPF, convocada para discutir a situação da saúde e cobrar explicações sobre a falta de atendimento à grávida que perdeu os dois filhos na terça-feira, o procurador Alan Mansur lembrou que ainda foi enviado um ofício ao secretário de saúde com questionamentos sobre o atendimento, funcionamento e infraestrutura da Santa Casa.

O Sindmepa e o CRM ainda fizeram denúncias contra as péssimas condições de trabalho e reclamaram da prisão indevida da médica Cinthia Lins.

Já o secretário de saúde, Helio Franco, disse que o médico não pode se recusar a atender o paciente independente da superlotação, principalmente se for um paciente de alto risco. "Qualquer maternidade é um serviço de emergência e o médico precisa fazer uma avaliação prévia da situação da grávida, mesmo que ela não tenha o filho no local. A superlotação não significa que o paciente não será atendido", afirmou.

Outra grávida deu à luz em ambulância

Vanessa Santos não foi a única recusada na Santa Casa na madrugada de terça-feira. Cerca de duas horas antes de Vanessa ter o atendimento negado, a autônoma Carla Nunes viu sua irmã, grávida de seis meses, dar à luz também em uma ambulância, depois de não conseguir dar entrada no hospital. Só quando a criança nasceu é que foi internada na UTI neonatal da Santa Casa, correndo risco de morrer. "Minha irmã já está atendida e está bem. O ruim é a criança, que está com os batimentos cardíacos fracos", conta Carla. Ela chegou a presenciar a agonia de Vanessa, durante a madrugada na frente do hospital.

Quem está dentro da instituição também pena com descaso e dificuldades para conseguir transferência. Enquanto o secretário de Estado de Saúde Pública, Hélio Franco, apresentava a equipe que vai coordenar a maternidade, na manhã de ontem, duas mães de pacientes internados da Santa Casa invadiram a apresentação para cobrar, diretamente do secretário, providências para os problemas dos filhos. Apesar de somente essas duas mães terem perdido a paciência e a confiança na saúde pública, revelaram que há casos muitos piores na Santa Casa.

Uma das mães foi a vendedora e cozinheira Jacilene Ramos Pimentel, de 40 anos, residente do município de Tucuruí. O filho dela, Lucas Pimentel Barbosa, de 16 anos, está com vários furúnculos na perna esquerda que estão infeccionados. A infecção já atravessou a pele e está chegando aos ossos. O problema começou há cinco anos e desde então ela corre em hospitais públicos do Pará, do Piauí e do Maranhão atrás de dermatologistas. Sempre de uma transferência para outra e bancando tudo do próprio bolso, o tratamento adequado nunca foi dado e agora o rapaz, internado na Santa Casa, corre o risco de ter a perna amputada. Mesmo assim, os médicos responsáveis, cujos nomes não foram revelados para evitar represálias, dizem que Lucas já está com um quadro estável e que pode ser transferido para um posto de saúde.

A outra mãe furiosa é a pescadora Carmem Maria Moreira Gomes, de 40 anos, moradora do município de Cametá. O filho, Joel Carlos Moreira Gomes, de 21 anos, apresenta uma "massa" no fígado, que está se espalhando pelos rins e já está próxima do coração. Há três meses foram feitas duas biópsias com amostras da "massa", mas não houve diagnóstico. Desde então, Joel apenas aguarda as transferências para os hospitais de referência para tratar as doenças.

Hélio Franco recebeu as demandas das duas mães e anotou os contatos de ambas. O secretário garantiu que tomará providências, pessoalmente, sobre os dois casos o quanto antes. Porém não foram dados prazos.

Sindmepa protesta contra o que considera manobra do governo

A falta de informação é a causa mais provável do mau atendimento prestado a Vanessa do Socorro Castro Santos, 27, mãe dos dois bebês que morreram à porta da Santa Casa. Essa é a análise do Sindicato dos Médicos do Estado do Pará (Sindmepa), que, ontem à tarde, fez um protesto em frente ao hospital. A manifestação foi contra o fato de o governo do Estado ter responsabilizado a diretoria do hospital pela falta de atendimento à paciente.

Desde que começou a sentir dores, na madrugada de terça-feira, Vanessa procurou ajuda da maneira incorreta, afirmou Wilson Machado, um dos diretores do Sindmepa. Ela deveria ter sido orientada a ir à emergência do bairro onde mora - no caso, do distrito de Outeiro, disse o médico. Profissionais de lá iriam entrar em contato com a Central de Leitos do Estado, que é o sistema de referência que procura onde há vagas disponíveis. "Se ela tivesse feito isso, teria sido levada de ambulância para outro hospital do SUS (Sistema Único de Saúde) com leito", garantiu o sindicalista.

A Santa Casa e o Hospital das Clínicas Gaspar Viana são hospitais de referência, ou seja, recebem principalmente pacientes que são enviados de outras unidades de saúde. Como os dois hospitais têm setor de emergência, a entrada pode ser feita sem a intermediação de outro local, mas para isso é necessário haver leito.

Vanessa disse ter sido orientada por sua médica a voltar à Santa Casa em caso de problemas com a gravidez, pois é onde ela fazia o pré-natal e já tinha registro de entrada. Entretanto, mesmo sem leito, Vanessa não deveria ter sido mandada embora pelo vigilante da Santa Casa. É o que explica a nutricionista Maria Eunice Begot da Silva, presidente interina da Santa Casa e coordenadora da comissão que comandará o hospital até que se apurem todas as responsabilidades pelas mortes dos bebês.

JN no ar esteve em Belém para mostrar o drama no atendimento

Com apoio da TV Liberal Canal 7, afiliada da Rede Globo no Pará, a equipe do Jornal Nacional no Ar chegou a Belém na madrugada de ontem, por volta de 1h20. Desde cedo o repórter André Luiz Azevedo esteve de prontidão na Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. O objetivo foi levantar informações sobre o caso da jovem Vanessa do Socorro Castro Santos, de 27 anos, que perdeu os filhos gêmeos - Ruan Gabriel e Ryan Felipe - ao ter o atendimento negado na maternidade, referência no Estado para o acompanhamento de uma gravidez de risco. O Jornal Nacional exibiu a matéria completa na noite de ontem.

O repórter André Luiz informou que a equipe - formada por seis pessoas: repórter, dois cinegrafistas, um diretor de VT, um técnico de operação e outro de transmissão, além da tripulação da aeronave - foi acionada pelo editor-chefe do Jornal Nacional assim que tomou conhecimento da morte das crianças. Segundo ele, o papel do JN no Ar é justamente registrar situações dramáticas da população brasileira, situação que essa que viveu Vanessa.

"Esta situação demonstra o drama da saúde pública no País, sobretudo, por ser registrada em uma capital. Uma grávida que perde duas crianças da forma que ela perdeu é chocante. Então, esta é uma história característica do JN no Ar", explica o jornalista. Ele ressalta que a equipe não está na capital paraense para mostrar de quem é a culpa, mas "sei que são muitas vítimas, as crianças, a mãe e até os profissionais de saúde".

A equipe da Globo chegou à maternidade antes das 8h e acompanhou a primeira reunião da comissão criada pela Secretaria de Estado de Saúde (Sespa). Neste momento, André Luiz aproveitou para ouvir a mãe das crianças, que se encontra na unidade acompanhada por uma assistente social e uma psicóloga.

Ex-presidente Maria do carmo denuncia o secretário no crm

A médica Maria do Carmo Lobato, ex-presidente da Santa Casa, entrou ontem à tarde com uma denúncia no Conselho Regional de Medicina do Pará (CRM-PA) contra o secretário de Estado de Saúde, Hélio Franco. Ela está se sentindo ofendida pelas declarações que Franco fez na mídia, "depondo contra sua competência e integridade profissionais e seu comprometimento com a Santa Casa de Misericórdia".

Maria do Carmo Lobato foi exonerada do cargo de presidente da Santa Casa na tarde de terça-feira, horas depois da recusa do hospital em atender a grávida de gêmeos. Vanessa sequer chegou à triagem na primeira vez em que foi ao hospital, tendo sido barrada pela segurança. Na segunda vez, só deu entrada porque ela havia dado à luz a um bebê que morreu dentro de uma ambulância do Corpo de Bombeiros estacionada à porta do hospital.

Franco apresenta equipe de transição e põe culpa em servidores

O secretário de Estado de Saúde Pública, Hélio Franco, apresentou, na manhã de ontem, a equipe de transição que vai comandar a Fundação Santa Casa de Misericórdia, formada por quatro médicas que atuam ou já atuaram na instituição. A equipe é a mesma que o assistia quando foi diretor da Santa Casa. A presidente interina será a nutricionista Eunice Begot, que era coordenadora do Banco de Leite. Durante a apresentação, Franco reforçou que lotação não é motivo para negar atendimento sem sequer olhar para o paciente; muito menos deixar que o atendimento seja feito por porteiros e vigilantes. Portanto, o que aconteceu com Vanessa do Socorro Santos, que perdeu os dois filhos gêmeos na madrugada de terça-feira, 23, por ter o atendimento negado por superlotação, é injustificável. Sindicâncias e investigações vão continuar, inclusive no Hospital de Clínicas Gaspar Vianna, que também negou atendimento. O secretário garantiu que Vanessa está recebendo todo o apoio necessário.

Franco afirmou que enquanto foi diretor da Santa Casa, a negação de atendimento às madrugadas era comum e ele era pressionado pelos funcionários. "Sempre que o hospital estava cheio, os funcionários pediam para que fechássemos os portões de madrugada. Eu nunca permiti. Mesmo que o hospital esteja cheio, o médico não pode se negar a atender. Precisa avaliar o paciente na ambulância, na maca ou até deitado num lençol no corredor. Essa responsabilidade é intransferível. E mesmo que não houvesse vaga para as crianças, legalmente, a prioridade do atendimento é da mãe", declarou. A superlotação foi atribuída à dificuldade de outros hospitais, principalmente do Sistema Único de Saúde (SUS) de dar atenção a gestantes, voltando toda a demanda justamente para a Santa Casa.

Dentre as ações previstas pela equipe, composta também pelas médicas Vânia Cecília, Rosângela Monteiro e Neila Dahas, estão reuniões com os 2.500 funcionários do hospital, revisão de equipamentos, levantamento de demandas e a construção de um novo anexo com 80 leitos. O secretário também adiantou que haverá mais atenção ao pré-natal e na atenção básica, que são muito mais baratos e eficientes do que remediar situações de risco nas unidades de terapia intensiva (UTI). "Tratar no pré-natal uma sífilis congênita, por exemplo custa R$ 20 para o pai, a mãe e a criança. Tratar a mesma doença na UTI custa R$ 1,5 mil por dia. Mas também precisamos trabalhar mais a conscientização e o planejamento familiar. A gravidez na adolescência é uma praga de risco. 33% das pacientes da Santa Casa são adolescentes", comentou.

O secretário também defendeu que o Governo Federal seja mais sensível ao liberar verbas para a saúde, já que hoje o Pará recebe somente R$ 23 por pessoa. Franco e a equipe de transição lamentaram as mortes dos bebês. (No Amazônia)

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