Dizem os jornais que a OAB condena proposta da magistratura que pretende “reduzir” os “poderes” do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Sempre defendi o controle externo do Poder Judiciário e do Ministério Público, e, também, convém dizer, por corolário, da Ordem dos Advogados do Brasil (até aqui mantida sem qualquer controle externo), que, com aqueles, forma o tripé da Justiça no Brasil.
Mas a verdade é que o CNJ e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) têm, muito amiúde e inequivocamente, desbordado ou extrapolado de suas verdadeiras finalidades teleológicas, constitucionais e institucionais, que se resumem, basicamente, no controle da legalidade dos atos administrativos e da gestão financeira dos órgãos do Poder Judiciário e do Ministério Público e na efetivação do regime disciplinar da conduta dos juízes e promotores e procuradores de Justiça.
Indubitavelmente, contudo, os dois Conselhos Nacionais empolgaram-se em demasia com o seu chamado poder regulamentador, e, com tal pretexto, incorporaram, indevidamente, um estranho e espúrio poder legiferante, sem base constitucional, e tome de editar, a três pancadas e por qualquer desculpa, dezenas de resoluções, algumas delas totalmente inócuas, ou, não raro, contra legem, posto que agridem, abertamente, expressas disposições legais.
Até 9 de agosto de 2011 o CNMP baixou 78 resoluções, e o CNJ, até 16 de agosto deste ano, editou 139 resoluções. Quem tiver o trabalho de estudá-las, verá um verdadeiro ioiô legislativo, um vai-e-vem de novas normas que muitas vezes de chocam entre si ou escancaradamente se atropelam, quiçá devido à rotatividade do plenário dos Conselhos, que, a cada dois anos, se renova.
E esse puxa-encolhe não se deve somente à vastidão ou complexidade dos assuntos tratados, mas, também, e principalmente, ao verdadeiro tatibitate jurídico ou à má qualidade da técnica legislativa adotados na redação desses atos que se pretendem normativos, mas que externam às vezes meras idiossincrasias de eventuais conselheiros, resultando que vários desses atos sejam logo alterados, quando não inteiramente revogados, contribuindo, em grande monta, para a terrível insegurança jurídica que assola o país.
Indiscutivelmente, os Conselhos Nacionais transformaram-se em verdadeiros mamutes amanuenses, ou seja, tornaram-se uma nova elite burocrática, ou, se quiserem, uma nova momenklatura.
E se você tiver a pachorra de calcular quantos milhões de reais já foram sacados dos tesouros da União e dos Estados, do final de 2004 para cá, quando os Conselhos foram criados, só para manter a estrutura corporativa desses colegiados e garantir os resultados das suas decisões, algumas estapafúrdias, sobre vantagens retroativas para magistrados e membros do MP, e para os próprios conselheiros, claro!, você ficará de queixo caído, de tão surpreso, até porque o leit motiv do controle externo era, justamente, enxugar os gastos e racionalizar a aplicação dos recursos orçamentários e financeiros do Poder Judiciário e do MP, então desperdiçados em obras supérfluas ou palácios suntuosos.
Ao contrário do esperado, o que se vê hoje, sem embargo de uma ou outra medida realmente moralizadora, como a que reduziu (mas não extinguiu) o nepotismo, é a pífia atuação dos Conselhos no campo do controle externo, inclusive preventivo, da legalidade dos atos administrativos e dos gastos financeiros.
O que se vê desde os seus nascimentos, são os Conselhos Nacionais incursionarem pela seara do poder jurisdicional dos magistrados e das atribuições institucionais dos órgãos de execução do Ministério Público. Daí a cassação até de decisões judiciais ou atos institucionais, como se os Conselhos, em vez de órgãos meramente administrativos, formassem, de fato, uma nova instância superior.
É claro que essa postura é um rematado absurdo. É ilegal. É flagrantemente inconstitucional. A Constituição não os autoriza a assim procederem. E essa prática fere não só o princípio da jurisdição, como, também, o da independência funcional dos juízes e membros do Ministério Público.
O programa de metas imposto pelo CNJ – segundo o qual os juízes e tribunais devem julgar determinado (e elevado) número de feitos por ano – está levando a função jurisdicional inexoravelmente ao fenômeno da industrialização das sentenças, isto é, das sentença proferidas em série, em padronagem informatizada, em que vale mais a quantidade em detrimento da qualidade dos julgados. Não é à toa, portanto, que um percentual bastante alto (talvez na altura dos 70% a 80%) das sentenças resultem no arquivamento dos processos sem o julgamento do mérito.
Infelizmente, alguns advogados, no afã de obterem, por portas travessas, o ganho da causa, instigam abertamente esse expansionismo exagerado dos Conselhos, transformados, de uma hora para outra, ao arrepio de qualquer permissivo constitucional, numa esquisita quinta instância judiciária, à qual se apela desde logo, cortando caminho, sem passar primeiramente pela segunda, pela terceira e pela quarta instâncias.
Os Conselhos Nacionais querem por que querem uniformizar, estupidamente, os Juízos e os Ministérios Públicos estaduais, segundo planos mirabolantes riscados em gabinetes acarpetados e climatizados de Brasília como nos áureos tempos dos tecnocratas da ditadura, sem levar em conta que o Brasil é um país com um cipoal de notórias diversidades e peculiaridades regionais que devem ser necessariamente levadas em conta.
Como tudo que está errado não pode durar indefinidamente, agora mesmo já se começa a erguer o pior dos cenários: tribunais estaduais, como o do Rio de Janeiro, levantando a voz para declarar inconstitucionais resoluções do CNJ, o que, fatalmente, minará a credibilidade do órgão e avacalhará o controle externo em tão boa hora instituído pela Constituição.
É melhor voltar ao formato originário dos aludidos Conselhos, tal como pensado pelo constituinte derivado, para que cuidem exclusivamente da legalidade dos atos administrativos, da gestão financeira e do regime disciplinar dos magistrados e membros do Ministério Público, este último, porém, ressalve-se por oportuno, apenas quando as Corregedorias locais forem omissas - e unicamente quando forem omissas! - em respeito estrito ao princípio da autonomia administrativa do Judiciário e do Ministério Público, que aos ditos Conselhos incumbe zelar, em primeiríssimo lugar, consoante o elenco das suas atribuições constitucionais enumeradas nos artigos 103-B, § 4º, I, e 130-A, § 2º, I, da Carta Magna da República.
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