Por Gustavo de Castro Afonso, advogado.
O termo dízimo é derivado do latim decima, que traz a ideia de décima parte, ou, como é geralmente conhecido, 10% (dez por cento). Em linhas gerais, cultiva-se a ideia de que o praticante desta ou daquela religião colabore com o respectivo templo religioso por meio da entrega da décima parte de seus rendimentos, ou, excepcionalmente, de qualquer quantia de que se disponha ou se possa ofertar.
Pelo próprio senso comum do termo e tratando-se, na maior parte dos casos, de ato de disposição voluntária voltado à colaboração com o templo religioso do qual faz parte a pessoa, não há dúvidas de que o dízimo pode ser classificado como uma doação – a par de seu singular significado histórico ou religioso.
O problema surge quando a vontade do doador, manifestada no seu ato de disposição, não é levada a efeito de forma natural, ou seja, quando sofre interferência de outrem, somente praticando o ato por justo receio de sofrer as consequências que o terceiro lhe impôs, ainda que exclusivamente no campo psicológico.
Em outras palavras, a pessoa coagida moralmente não exerce efetivamente seu livre-arbítrio; embora, como dito, a ela se coloque a “opção” entre realizar e não realizar determinado ato, a violência psicológica é tão ampla e profunda que anula, por completo, a sensatez e a manifestação da vontade.
A possibilidade de sua ocorrência na prestação do dízimo existe quando, por exemplo, o doador, premido pelo receio de sofrer as sanções religiosas peculiares de seu credo, pratica um ato que, não fosse a coação moral, não praticaria. É bem verdade que a linha que separa a liberdade religiosa e a de disposição do indivíduo é tênue; o que se percebe, em defesa dos donatários, é a alegação de que a pessoa doa apenas porque quer, ou seja, ela não é obrigada a fazê-lo.
Nesse contexto, se o fiel é exortado a colaborar com a sua Igreja ou templo sem que haja qualquer interferência anormal no seu estado psicológico, vale dizer, sem que lhe sejam feitas ameaças de futuras e sérias dificuldades por conta da falta da doação deste ou daquele valor ou bem, o ato será perfeitamente legítimo; todavia, se a abordagem incutir na pessoa o temor de receber graves penas, futuras ou presentes, suplícios de qualquer ordem ou mesmo a ocorrência de situação vexatória e humilhante – consideradas as características pessoais de cada um, caso a caso – a doação estará irremediavelmente viciada.
Logo, ainda que donatário e doador aleguem que o ato decorreu de livre e espontânea vontade, pautado na liberdade religiosa, o ordenamento jurídico não se coaduna com a ocorrência do vício de consentimento, consubstanciado na coação moral.
Enfim, não se pode condenar, em absoluto, a figura do dízimo; ao contrário, sua prática possibilita a garantia da liberdade religiosa e de crença, prevista na Constituição federal, além de configurar uma doação como qualquer outra; o que se reprime – e para isto a jurisdição deve bem cumprir o seu papel – é a ilicitude da postura daquele que, exercendo alguma influência no ânimo do doador, nele vem a incutir o temor grave e irresistível, consubstanciado na reprimível coação moral, pois aí, nesse momento, o direito deve entrar em cena, reequilibrando a situação jurídica a favor de quem, em casos tais, foi flagrantemente prejudicado, em observância ao princípio da dignidade da pessoa humana.
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