Exatamente um ano após a queda do edifício Real Class, na travessa Três de Maio, dor, tristeza e angústia ainda podiam ser percebidas no olhar daqueles que perderam entes queridos e dos vizinhos da tragédia. Ontem, durante o ato ecumênico organizado pela associação de moradores do local para lembrar o fatídico 29 de janeiro de 2011, comoção e orações reergueram, mesmo que no imaginário, as estruturas de ferro que ceifaram a vida de três pessoas naquela tarde de sábado.
O desejo de que o prédio nunca tivesse ido ao chão só não é maior que a saudade deixada pelos que se foram soterrados pelos escombros. A área onde foi levantado o edifício esteve aberta para a população durante toda a manhã. Na porta, o convite para entrar dava o tom ao cenário que ali seria encontrado: “Outro arranha-céu, aqui, jamais”, ordenava a frase escrita em vermelho sangue na porta estreita que dava acesso aos poucos destroços que ainda permanecem ali.
Concreto, estruturas em ferro, mato e muita areia compunham os relevos percorridos por quem se atrevia a visitar o local. “Não sou espírita, muito menos acredito em vida após a morte, mas de alguma forma parece que ainda é possível sentir o desespero daqueles que se foram”, comentou Cleide Alves, que passava pela rua e não hesitou em visitar o espaço.
A programação começou por volta de 9h30, com o discurso de quatro religiosos representantes do catolicismo e da doutrina espírita. O trecho entre as avenidas Magalhães Barata e José Malcher foi interditado. Uma cama elástica, liberada após o ato ecumênico, fazia a alegria da criançada, que apesar da diversão compreendia que ali não era local para bagunça.
PASSOS LENTOS - O ato foi idealizado em protesto para pressionar a justiça para que os culpados pelo desabamento sejam punidos e na ânsia pela resolução dos problemas enfrentados pelos que foram diretamente atingidos.
“Prefiro usar o termo ‘lerda’, para classificar a ação da justiça paraense neste caso. Acompanhamos de perto todo o desespero das famílias que perderam seus membros. Nós mesmos somos vítimas psicológicas da irresponsabilidade de terceiros. Estamos instalando esta associação de moradores da Três de Maio para acompanhar de perto os processos de implantação de políticas públicas de urbanismo efetivas. Por enquanto, estão apenas no papel”, explicou César Faria, integrante da comissão criada para constituir a associação.
Em meio ao entulho, ainda é possível ver a área de lazer da família de Antonio Emídio Santos, 66 anos, que perdeu a esposa, Maria Raimunda Santos, 67 anos, na tragédia. Ao andar pelo local, Antonio Emídio se emocionou e revelou que nada foi feito para sanar os problemas materiais decorrentes do acidente, como a perda da casa, destruída com a queda do Real Class, e que foi o lar da família dele por décadas. “Ela (Raimunda) estava no pátio quando foi soterrada. Eu tinha ido caminhar e quando voltei encontrei apenas concreto em cima da casa. Nada vai trazê-la de volta, mas preciso continuar minha vida e para isso é necessário o julgamento dos culpados e ressarcimento de tudo que me foi tirado”, desabafa.
Nas fachadas de prédios localizados ao longo da via, motivos em preto e branco demonstravam o sentimento dos moradores do perímetro. “Ainda é possível olhar pela janela e por um segundo ter a impressão de que o edifício ainda está ali. A verdade é que nossa cidade está sufocada pelo desenvolvimento urbano vertical a qualquer custo. Precisamos nos mobilizar para garantir a conservação de certos espaços. Não queremos outro prédio aqui. Quem sabe um memorial ou área de lazer, mas edifício, não! Estamos lutando pela desapropriação desta área”, contou Edith Pereira, moradora do edifício Londrina, próximo ao local da tragédia.
FÓRUM - Durante o ato, foi lançado o Fórum Permanente Amar Belém, que pretende ser um espaço para estimular a participação dos cidadãos nas discussões, críticas, denúncias, reivindicações e proposições que possam contribuir com a política de desenvolvimento urbano.
A programação contou ainda com um café da manhã solidário, atividades de esporte e lazer, sessão audiovisual e intervenção musical.
RELEMBRE O ACIDENTE - O prédio Real Class, de 32 andares, estava já na penúltima lage quando veio abaixo, por volta das 14h do dia 29 de janeiro de 2011. Soterrou carros, operários e feriu pessoas que passavam no local. Três pessoas morreram: a dona de casa Maria Raimunda Santos, 67 anos, moradora de uma casa ao lado que foi soterrada, e os operários Manoel Raimundo da Paixão e José Paula Barros. Cerca de 100 famílias ficaram desalojadas e algumas casas e edifícios próximos foram atingidos.
O laudo do Centro de Perícias Científicas Renato Chaves apontou que a estrutura calculada foi incapaz de sustentar o peso do prédio de aproximadamente 100 metros de altura.
Segundo os moradores, o caso caminha lento na justiça e ainda não foram apontados culpados, assim como ocorreu com o desabamento do edifício Raimundo Farias, de 16 andares, em 13 de agosto de 1987, no bairro do Umarizal, onde trinta e nove operários morreram. Até hoje, ninguém foi punido. (Diário do Pará)
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