Corrupção, pouco caso, impunidade, leis não cumpridas,
falta de ordem, de fiscalização, distribuição de propinas, cegueira
generalizada, bandidos elegendo bandidos, fortes esmagando vozes, volta
triunfante dos enxotados. Aqueles corpos estendidos no chão, queimados
sem vela, envenenados em meio à alegria, e a simples menção da cena das
centenas de celulares tocando em seus bolsos, procurados que eram
naquela madrugada por quem pressentia que não mais os veria ou ouviria,
não são coisa para se esquecer. E , assim como os sobreviventes e os
feridos que ainda conseguirem escapar, lembrarão da terrível noite de
Santa Maria para sempre, o resto de seus dias - inclusive porque
certamente ainda sofrerão suas consequências - nós também não devíamos
esquecer.
Mas esquecemos sempre, e sempre, como se nunca
aprendêssemos nem com os nossos erros nem com os erros dos outros. Chega
o Carnaval no país do próprio. Salões inseguros novamente estarão
cheios de palhaços e colombinas com dedinhos para cima jogando álcool
para dentro de si próprios, insanos, dormentes, banalizados e totalmente
bananizados.
A serpentina, o confete, a música das bandas e
trios elétricos, as piadas sem graça das musiquinhas
axé-quentes-sensualizantes já transborda no país que esquece. Esquece de
si. De seu papel, de suas possibilidades grandiosas de futuro. Tudo
para viver um momento, um papel reles, pequenino, momentâneo, que
acreditam histórico e infindável, com parceiros mal escolhidos, mal
ajambrados. Com as névoas da propaganda maciça.
Não, não queremos
luto eterno. Nem somos oposição por prazer. Queremos apenas que sirva
para algo a alegria apagada daqueles cérebros que jamais veremos
frutificar; assim como queremos, tinhosos que somos, que os feitos e a
luta das milhares de pessoas perseguidas ou mortas lutando pela
liberdade e democracia tenham valido.
Mas na mesma semana
recebemos mais outros muitos tapas na cara. Murros. Descobrimos
estupefatos que sempre pisamos todos em solos inseguros quando o pó da
estrada baixa, após os cavaleiros passarem em garbo buscando culpados,
tomando providências, batendo os cascos. Descobrimos, ainda, todos, que o
idealismo morreu - vigoram agora os interesses, a divisão, a discórdia,
as mentiras, e a desgraça de uma classe média que ainda ousa pensar,
tentar reagir, se organizar, mas que dispõe de canetas apenas para
abaixo-assinados ou para mostrar a boa marca em eventos sociais.
Corajosa, mas apenas atrás da tela de um computador, de um pseudônimo;
preguiçosa e egoísta demais para ir às ruas bater bumbo.
Isso é
para a gente deixar de ser bobo, inocente, acreditar em pasteis de
vento, que comemos ainda lambendo o leite derramado. Se festejamos
alguma vitória, percebemos logo como elas eram apenas miragens no
deserto ético. Ainda por cima, todos os dias ouvimos quietos que
tripudiem em cima do pouco que achávamos ter conquistado, e eles o fazem
de forma bruta, deselegante, terrivelmente avassaladora inclusive em
nossas relações sociais - se não pensa como eles inimigo é. Criam
exércitos de zumbis, usam robôs eletrônicos, amealham a ignorância,
semeiam a discórdia, implodem ou manipulam os fatos, e quanto mais
velhos vão ficando mais distantes estarão do que chamo de atingir o bom
senso, como diria Tim Maia em seu Universo Racional. São guerrilhas
desinteligentes e obtusas.
Não consigo ver passar esse rio em
nossas vidas sem me chatear. Não tenho mais preferência de margem para
pescar - nem direita, nem esquerda. Até porque não há nada mais antigo e
burro do que definir o mundo assim de forma tão maniqueísta. Prefiro
apenas navegar com meu barquinho.
Já pensei diferente, não
esqueço não - e a margem esquerda sempre foi a minha predileta, porque
tudo o que eu queria e almejava para mim e para o meu país estava lá. Agora não está mais, quase nada de bom está ali - até ao contrário, infelizmente.
Do
meu morrinho de observação vejo reunidas ali só umas pessoas muito
chatas e transformadas, além de um monte de piranhas famintas pelo
poder, dinheiro e alguma carne nova para triturar.
(*)Marli Gonçalves é jornalista - Anda difícil escrever, ser voz ou dar voz à razão. Agora, ainda por cima, andam querendo destruir e desacreditar a imprensa. Não conseguirão. A gente sempre vai usar o jornal para embrulhar o peixe, incluindo essas piranhas que ora ocupam a margem esquerda. Nossos cães ainda ladrarão muito e farão xixi em cima das fotos deles, sempre flagrados em suas falcatruas.
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