Por Arnaldo Jabor - O Estado de São Paulo
A crise é boa. Nada melhor do que uma crise para nos dar a sensação de que a vida muda, que a história anda, que a barra pesa. A crise nos tira o sono e nos faz alertas. A crise nos faz importantes, nós, a opinião pública, nós, o "povo", nós, os ex-babacas que viviam na sombra, na modorra e que, de repente, saíram batendo panelas nas ruas. Na crise no Brasil, a política fica visível para a população. A crise nos lembra a maldição chinesa: "Que você viva em tempos interessantes" - por "tempos interessantes" se entenderia uma época de calamidade, guerras e instabilidade. A crise é boa porque acabaram as antigas crises cegas, radiofônicas, anos 50. Hoje, as crises são online, na internet, nos celulares com todas as roubalheiras ao vivo, imediatas, na velocidade da luz. A crise é uma aula, quase um videogame. A crise é um "thriller em nossas vidas. A crise nos permite ver a verdade. Mas como - se todos mentem o tempo todo? A crise nos ensina a ver a verdade de cabeça para baixo, nos ensina que a verdade é o contrário de tudo que dizem os depoentes, testemunhas e réus. A verdade está em tudo o que os políticos negam.
A crise é boa para conhecer tipos humanos. Temos de tudo - uma galeria de personas, de máscaras, de bonecos de engonço, temos um reality show sobre o Brasil, temos o desfile de caras, de bocas, de mãos trêmulas, temos as vaidades na fogueira, os clamores de honradez, os falsos testemunhos, a lama debaixo das dignidades, temos os intestinos, os nós nas tripas, os miasmas que nos envenenam, sujeiras escorrendo pelas frestas da lei.
E tudo vai diplomando o povo em ciência política. A crise é boa para acabar com a crença de que um operário tem uma aura de santidade e mostra que para ser presidente tem, sim, que estudar e ter competência. E nos mostra também o mal que um sujeito egoísta e deslumbrado pode fazer a um país.
A crise nos mostra que o crime político não é um defeito, mas uma instituição. A crise nos espanta: como um partido consegue esquecer qualquer resquício de grandeza e contaminar as instituições? A crise nos ensina o horror do narcisismo totalitário. A crise nos ensina que os velhos "revolucionários" ficaram iguais aos piores políticos oligárquicos - ambos trabalham na sombra, na dissimulação, no cabresto dos militantes. A crise nos lembra que a burrice é uma "força da natureza", como os ciclones e terremotos. Crise também é cultura. A crise é Brecht, Shakespeare e revista Caras. A crise acabou com a mistificação de que o PT era o partido dos "puros", como muitos intelectuais acreditaram e continuam acreditando, com a fé inquebrantável do "mesmo assim" - quebraram a Petrobrás e o País, mas, mesmo assim, continuam acreditando , como religiosos: "Credo quia absurdum" (Creio mesmo sendo absurdo). A crise nos mostra que o petismo maculou as ideias de uma verdadeira esquerda no País, sequestraram as palavras, a linguagem romântica d'antanho. A crise prova que a velha esquerda ancorada no petismo não tem programa, nem projeto; tem um sonho que vira pesadelo. A crise acaba com os fins justificando os meios. A crise acaba com o "futuro" e nos traz o doce, o essencial presente. A crise nos ensina que ninguém se define apenas como "companheiros", "comandantes", "aventureiros", "guerreiros do povo brasileiro", pois as pessoas são compulsivas, agressivas, invejosas, narcisistas, fracassadas e com problemas sexuais. A crise nos ensina mais Freud do que Marx. A crise ensina que revolução no País tem de ser administrativa e não de ruptura e utopia.
A 'contemporaneidade', esse "faz-tudo" do novo vocabulário, inventou a 'utopia da distopia'. Nada como uma boa distopia para saciar nossa fome de certezas. A crise ensina que não adianta mostrar apenas os horrores da miséria dos desvalidos; a verdadeira miséria está nos intestinos da própria política.
A crise nos mostra que existem fascistas de direita e de esquerda, que a verdadeira esquerda está em tudo que é profundo e que a direita está em tudo que é superficial - logo o PT é de direita.
A crise nos revela que o País (e a vida) é mais complexo do que a divisão "opressores e oprimidos" e que o capitalismo não é uma pessoa malvada para conscientemente nos destruir; capitalismo não é um regime político - é um modo de produção.
A crise nos ensinou que a corrupção de hoje não é um pecado contra a lei de Deus - é um sistema, uma ferramenta de trabalho. A crise nos mostra que não há mais inocentes em Brasília - todos são cúmplices. E aprendemos que mesmo com terríveis expectativas para 2015, as ruas provaram que a história é intempestiva (Nietzsche) e marcha no escuro, quando nós dormimos. A crise nos lembra a frase de Baudrillard tão citada por mim: "O comunismo hoje desintegrado se tornou viral, capaz de contaminar o mundo inteiro, não através da ideologia nem do seu modelo de funcionamento, mas através do seu modelo de desfuncionamento e de desestruturação da vida social", vide o estrago do PT e o novo eixo do mal da América Latina. A crise está abrindo nossos olhos.
Ouso dizer que, por vielas escuras e mal frequentadas, a crise fará bem ao Brasil. A crise também é útil porque nos dá uma porrada na cara para deixarmos de ser bestas.
A crise é boa para conhecer tipos humanos. Temos de tudo - uma galeria de personas, de máscaras, de bonecos de engonço, temos um reality show sobre o Brasil, temos o desfile de caras, de bocas, de mãos trêmulas, temos as vaidades na fogueira, os clamores de honradez, os falsos testemunhos, a lama debaixo das dignidades, temos os intestinos, os nós nas tripas, os miasmas que nos envenenam, sujeiras escorrendo pelas frestas da lei.
E tudo vai diplomando o povo em ciência política. A crise é boa para acabar com a crença de que um operário tem uma aura de santidade e mostra que para ser presidente tem, sim, que estudar e ter competência. E nos mostra também o mal que um sujeito egoísta e deslumbrado pode fazer a um país.
A crise nos mostra que o crime político não é um defeito, mas uma instituição. A crise nos espanta: como um partido consegue esquecer qualquer resquício de grandeza e contaminar as instituições? A crise nos ensina o horror do narcisismo totalitário. A crise nos ensina que os velhos "revolucionários" ficaram iguais aos piores políticos oligárquicos - ambos trabalham na sombra, na dissimulação, no cabresto dos militantes. A crise nos lembra que a burrice é uma "força da natureza", como os ciclones e terremotos. Crise também é cultura. A crise é Brecht, Shakespeare e revista Caras. A crise acabou com a mistificação de que o PT era o partido dos "puros", como muitos intelectuais acreditaram e continuam acreditando, com a fé inquebrantável do "mesmo assim" - quebraram a Petrobrás e o País, mas, mesmo assim, continuam acreditando , como religiosos: "Credo quia absurdum" (Creio mesmo sendo absurdo). A crise nos mostra que o petismo maculou as ideias de uma verdadeira esquerda no País, sequestraram as palavras, a linguagem romântica d'antanho. A crise prova que a velha esquerda ancorada no petismo não tem programa, nem projeto; tem um sonho que vira pesadelo. A crise acaba com os fins justificando os meios. A crise acaba com o "futuro" e nos traz o doce, o essencial presente. A crise nos ensina que ninguém se define apenas como "companheiros", "comandantes", "aventureiros", "guerreiros do povo brasileiro", pois as pessoas são compulsivas, agressivas, invejosas, narcisistas, fracassadas e com problemas sexuais. A crise nos ensina mais Freud do que Marx. A crise ensina que revolução no País tem de ser administrativa e não de ruptura e utopia.
A 'contemporaneidade', esse "faz-tudo" do novo vocabulário, inventou a 'utopia da distopia'. Nada como uma boa distopia para saciar nossa fome de certezas. A crise ensina que não adianta mostrar apenas os horrores da miséria dos desvalidos; a verdadeira miséria está nos intestinos da própria política.
A crise nos mostra que existem fascistas de direita e de esquerda, que a verdadeira esquerda está em tudo que é profundo e que a direita está em tudo que é superficial - logo o PT é de direita.
A crise nos revela que o País (e a vida) é mais complexo do que a divisão "opressores e oprimidos" e que o capitalismo não é uma pessoa malvada para conscientemente nos destruir; capitalismo não é um regime político - é um modo de produção.
A crise nos ensinou que a corrupção de hoje não é um pecado contra a lei de Deus - é um sistema, uma ferramenta de trabalho. A crise nos mostra que não há mais inocentes em Brasília - todos são cúmplices. E aprendemos que mesmo com terríveis expectativas para 2015, as ruas provaram que a história é intempestiva (Nietzsche) e marcha no escuro, quando nós dormimos. A crise nos lembra a frase de Baudrillard tão citada por mim: "O comunismo hoje desintegrado se tornou viral, capaz de contaminar o mundo inteiro, não através da ideologia nem do seu modelo de funcionamento, mas através do seu modelo de desfuncionamento e de desestruturação da vida social", vide o estrago do PT e o novo eixo do mal da América Latina. A crise está abrindo nossos olhos.
Ouso dizer que, por vielas escuras e mal frequentadas, a crise fará bem ao Brasil. A crise também é útil porque nos dá uma porrada na cara para deixarmos de ser bestas.
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