Editorial - Estadão
Na mesma semana em que o Ministério da Justiça anunciou que investirá em 2016 R$ 112 milhões em programas destinados a estimular os tribunais criminais a ampliar a aplicação de penas alternativas e criar projetos de capacitação profissional dos presos, preparando-os para retomar o convívio social, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar a possibilidade de os condenados mudarem de regime, por falta de vagas nos estabelecimentos penais. Os dois acontecimentos estão relacionados e tratam de medidas destinadas a reduzir a superlotação das prisões. Segundo os números do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o sistema prisional – que custa R$ 12 bilhões por ano aos cofres públicos – tem um total de 376,7 mil vagas, que abrigam 607,7 mil presos vivendo em condições degradantes. Como os tribunais criminais vêm batendo recordes sucessivos de condenações e a União e os Estados não dispõem de recursos para acabar com o déficit de 231,1 mil vagas, o que exigiria um investimento de R$ 6 bilhões, segundo estimativas do Depen, diversas turmas do STF passaram a tomar decisões que permitem o abrandamento das penas.
Essa iniciativa tem sido criticada pelos Tribunais de Justiça, cujos juízes e desembargadores a classificam como solução paliativa. Segundo eles, o mais eficiente seria obrigar, por meio de decisões judiciais, os Estados a investir na expansão do sistema prisional, o que tem levado os governadores a acusar o Judiciário de exorbitar de suas prerrogativas, interferindo indevidamente na programação orçamentária do Executivo.
A crise do sistema prisional, que tem levado o Brasil a ser condenado em organismos multilaterais por violação de direitos humanos, não se concentra apenas nos estabelecimentos penais destinados ao regime fechado, que abrigam condenados com penas superiores a oito anos. Ela também ocorre nos presídios destinados ao regime semiaberto, que abrigam não reincidentes condenados à reclusão entre quatro e oito anos, e que deveriam cumprir pena em colônias agrícolas ou industriais. Até no caso do regime semiaberto, em que a pena deve ser cumprida em casas de albergado e os condenados devem trabalhar fora do estabelecimento, a situação é dramática. Existem apenas 73 colônias agrícolas ou industriais e 65 casas de albergados em todo o País. O déficit nos regimes semiaberto e aberto é de mais de 30 mil vagas.
Diante do colapso do sistema prisional e das crescentes tensões entre o Executivo e o Judiciário, por causa de sentenças polêmicas nessa matéria, o STF aplicou o princípio da repercussão geral e a decisão final que der ao caso servirá de orientação para todas as instâncias judiciais. Mas na própria Corte a proposta de mudança de regime e abrandamento das penas é controvertida.
Acompanhado pelo ministro Edson Fachin, o relator, Gilmar Mendes, a endossou. Havendo déficit de vagas no sistema prisional, os juízes criminais poderão determinar a progressão antecipada de regime e até o cumprimento da pena em liberdade, desde que o preso seja monitorado por tornozeleiras eletrônicas, disse o relator. Já o ministro Teori Zavascki entendeu que a mudança de regime desequilibrará o sistema de penas definido pela legislação criminal. “O Judiciário não pode estabelecer um regime menos gravoso do que a lei determina”, afirmou.
Os argumentos de Mendes e Zavascki apontam para o âmago do problema. A aplicação de sanções penais deve subordinar-se apenas à gravidade do crime cometido, como manda a lei? Ou seu alcance pode também ser determinado por questões orçamentárias, o que põe em risco a segurança pública? Este problema não estaria ocupando o tempo do STF se os Estados exercessem suas atribuições com um mínimo de responsabilidade, no plano prisional, e se os responsáveis pela formulação de uma política penitenciária nacional não se perdessem em inócuas digressões sociológicas, criticando “discursos punitivistas” e a “banalização da prisão”.
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