Por Edison Vicentini Barroso, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.
O STF de que o Brasil precisa
Baseado em longos e cansativos arrazoados, não raras vezes a traduzir palavrório de todo dispensável àquilo a que se destina o julgamento, a dar a impressão de atuação espetaculosa conexa à fogueira de vaidades, o STF mantém-se afastado do ideal de Justiça do povo brasileiro. Disto se vê na TV Justiça.Não se diz, com isto, que se há de abrir mão dos recursos de erudição dos ministros. Mas, ao menos, que se objetive concisão, brevidade e maior simplicidade na abordagem das questões sob análise – de forma a que, quanto possível, o homem médio tenha condição de entender daquilo que se julga.
E duma decisão que, via de regra, há de ser essencialmente jurídica – pois que o Tribunal existe para isso. Porém, não tem sido incomum que a regra vire exceção, na medida em que o tempero político das decisões supera o pressuposto jurídico, sua motivação e fim.
As filigranas e firulas jurídicas, inerentes ao juridiquês, hão de dar lugar a julgamentos mais simples, sem os adornos retóricos que os prolongam no tempo – a cansar muito a quem, pacientemente, os testemunhe.
Dessa forma, estar-se-á diminuindo o abismo entre as excessivas palavras, ditas para expressar objeto de fácil e pronto alcance, e a capacidade de compreensão das pessoas interessadas naquilo que se julga. Quase que um meio termo entre o exagerado apuro formal e a forma coloquial de expressão – o ponto de equilíbrio. Só assim, à população – e mesmo a muitos operadores do Direito – se abrirá campo a melhor entendimento da atuação da Justiça.
Além disso, com a diminuição do tempo dos julgamentos, a produção do Tribunal será otimizada, priorizando-se o conteúdo, mais que à forma. No fruto, a casca é só o revestimento, o sumo é tudo!
Há mais! Fatos de alta relevância nacional, levados a exame do STF, por vezes, aguardam demasiado tempo a serem pautados. Daí, decerto, a razão do ex-presidente Lula buscar o deslocamento de competência nas coisas da Operação Lava Jato, contando, também, com uma visão mais flexível dos fatos pelos juízes da Suprema Corte – sem a mesma estrutura de investigação, por exemplo, da 13ª Vara Federal de Curitiba.
São as mazelas do famigerado ‘foro privilegiado’, a não mais se justificar numa sociedade igualitária em que a lei deve ser para todos, na medida dos atos de cada um, esteja-se onde estiver na escala social.
E chega dessa conversa de que se há de prestigiar a função exercida pela pessoa beneficiada, mormente, em sistemática de indicação e nomeação política de juízes, muitos dos quais, sequer vindos da magistratura de carreira – em razão do quinto constitucional.
Passou da hora de as coisas mudarem. De os tribunais serem integrados por magistrados de carreira, não mais indicados politicamente, mas por sistema de escolha fundado no mérito individual, e que se pautem, nos julgamentos de que participem, por decisões mais simples, menos prolixas e de fácil entendimento – de molde, também por isto, a diminuir o tempo de processamento dos recursos.
Fala-se muito em julgamento justo e rápido, nessa ordem. E o senso de justiça em nada se dissocia da forma simples de julgar; ao contrário, nela se firma, para assentar a justiça do caso concreto – claramente, então, mostrada a todos. E a rapidez também decorre dessa maior simplificação das coisas, pois que o tempo urge e a Justiça não dispensa o pronto enfrentamento das questões.
Não há negar, pois, do aspecto burocrático e excessivamente formal da Justiça brasileira, personificada pelo STF, a não atender – principalmente nos tempos de hoje – às necessidades do país. E esse ponto de vista tem a companhia de juristas de escol, magistrados, promotores de justiça, advogados e estudantes de Direito.
Há resistências às mudanças, por motivos diversos. É que a lentidão, a burocracia e o formalismo interessam a muitos, despreocupados da efetiva melhoria na aplicação da Justiça. Antes, interessados em ganhar dinheiro e angariar prestígio.
Cabe ao próprio Judiciário, pois, a partir do mais alto tribunal do país, o STF, fazer autocrítica e tomar providências tendentes à realização duma Justiça maior e melhor, à distância da sofisticação e próxima da simplicidade de ação, compassadamente à realidade de vida dos brasileiros que dela se servem.
A missão dos magistrados é examinar à luz dos fatos e provas, e determinar a punição cabível aos réus segundo a ordem da infringência cometida. As questões levantadas pelo desembargador do Tribunal de São Paulo são procedentes, mas não são as únicas e não estão restritas ao Supremo Tribunal Federal, elas se distribuem por todo o sistema judiciário, desde a primeira entrância a última. Começa pelos atavios retóricos, também conhecidos pejorativamente como verborreia. Os estudos e despachos, principalmente os primeiros, são pejados de ervas daninhas que obstruem e prejudicam o entendimento das peças lavradas pelos profissionais da área, de modo bem acentuado nos juízes, desembargadores e ministros. Nada contra os escritos empolados, cheios de recursos estilísticos muitos usados na prosa e no verso. Louve-se as pessoas que têm o gosto de escrever assim, estilosamente. Todavia, os casos que são submetidos à justiça exigem celeridade nas decisões e, por conta disso, deveriam ser atendidas com eficácia e eficiência, sem descurar do caráter técnico dos finalmente. Não que as “firulas” e as figuras de linguagem sejam únicas responsáveis pela decantada lentidão do poder judiciário, mas contribuem para essa morosidade. Há outros entraves causadores dessa inércia, porém não serão objetos desta nota. Só para dar uma ideia da lerdeza, o rabiscador deste comentário, junto com outros colegas do BASA, esperou 14 anos para ver o final de uma ação sobre o FGTS, e ainda hoje aguarda o desfecho de um processo relativo cobrança indevida do Imposto de Renda, iniciado em 2000. O que se gastou com o sistema em termos de serventuários, material de expediente, tecnologia, etc, excede em muito o valor questionado.
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