Por Drauzio Varella - Folha de SP
Políticas públicas destinadas exclusivamente aos mais pobres estão fadadas ao fracasso.
Do abastado ao humilde, qualquer brasileiro pode vacinar os filhos na unidade de saúde, receber transplante de fígado pelo SUS e os medicamentos para a Aids, como se vivesse na Noruega. Nossos programas gratuitos de vacinações, transplante de órgãos e de distribuição de drogas anti-HIV são os maiores do mundo.
O sucesso desses programas se deve ao fato de serem universais. Se vou à Unidade de Saúde e faltam vacinas, basta ligar para os jornais que a denúncia aparecerá na primeira página.
Por que nosso programa de planejamento familiar não sai do papel, condenando os mais pobres a ter filhos indesejados que não conseguem sustentar? Por uma razão simples: quem está bem de vida tem acesso pleno aos métodos anticoncepcionais e ao abortamento ilegal. A mulher que peregrina pelas unidades de saúde atrás de um DIU ou da laqueadura, direito garantido por lei, vai reclamar para quem? Para o bispo?
Dissemos na Constituição de 1988 que saúde é direito do cidadão e dever do Estado. Faço minhas as palavras da jornalista Cláudia Collucci em sua coluna: "Isso é lindo, uma conquista da qual não podemos abrir mão. Mas, na prática, nem países mais ricos e menos populosos ousaram prometer 'tudo para todos em saúde'".
O paradoxo é que de um lado as políticas públicas que deram bons resultados são as universais, de outro, a falta de recursos orçamentários, de gerenciamento competente e a praga da corrupção impõem aos dependentes do SUS uma assistência médica de difícil acesso, imprevisível e muitas vezes de baixíssima qualidade.
Não há como fugir da realidade: se as verbas destinadas à saúde são insuficientes, quanto menos utilizarem os serviços do sistema único os brasileiros que podem pagar por eles, mais recursos sobrarão para atender os que contam apenas com o SUS.
Num país cartorial, com as desigualdades abissais como o nosso, é absurda e injusta a ideia de considerarmos todos iguais diante do SUS, porque os mais ricos e influentes passarão na frente dos mais necessitados.
O fazendeiro mais influente da região entra na sala de espera do pronto-socorro público da cidadezinha. Quem será atendido antes? É justo o cidadão bater o BMW, gastar R$ 250 mil na oficina e operar o rosto no Hospital da Clínicas? Está certo precisar de um remédio importado e mover ação judicial contra o SUS, porque o advogado considera mais fácil ganhar do Estado do que enfrentar o departamento jurídico do plano de saúde?
Se a saúde pública do país vive momentos difíceis, o futuro poderá ser trágico. A faixa etária da população que mais cresce é a que já passou dos 60 anos. O Brasil fica mais velho e envelhece mal: 52% dos adultos estão acima do peso saudável, metade das mulheres e homens chega aos 60 anos com hipertensão arterial, perto de 12 milhões sofrem de diabetes –pelo menos um terço dos quais só descobrirá quando surgirem complicações graves.
O desafio é gigantesco. Somos obrigados a lidar com os problemas dos países ricos, antes de termos nos livrado das enfermidades do subdesenvolvimento: dengue, zika, tuberculose, malária e até hanseníase.
O aperto financeiro para tratar dos doentes que recorrem ao SUS é de tal ordem que não sobram recursos para investir em medidas preventivas. E o enfoque da saúde pública tem que estar na prevenção. Programas como o Saúde da Família devem ter prioridade absoluta e chegar às comunidades mais desprotegidas. Entre outras medidas, há que divulgar exaustivamente os cuidados preventivos pelo rádio, TV, internet e celular.
Em entrevista a Cláudia Collucci o atual ministro da Saúde chegou a sugerir que o SUS precisaria ser redimensionado. Diante da gritaria, parece que recuou. Não sei o que ele quis dizer com esse redimensionamento, mas foi pena haver recuado. A discussão viria em momento propício: se não há dinheiro para todos, que os estratos mais ricos da população cuidem da própria saúde e deixem o SUS para os que não têm alternativa. Não é lógico? Está na hora de deixarmos de lado a hipocrisia utópica e o estrabismo ideológico de antigamente.
Do abastado ao humilde, qualquer brasileiro pode vacinar os filhos na unidade de saúde, receber transplante de fígado pelo SUS e os medicamentos para a Aids, como se vivesse na Noruega. Nossos programas gratuitos de vacinações, transplante de órgãos e de distribuição de drogas anti-HIV são os maiores do mundo.
O sucesso desses programas se deve ao fato de serem universais. Se vou à Unidade de Saúde e faltam vacinas, basta ligar para os jornais que a denúncia aparecerá na primeira página.
Por que nosso programa de planejamento familiar não sai do papel, condenando os mais pobres a ter filhos indesejados que não conseguem sustentar? Por uma razão simples: quem está bem de vida tem acesso pleno aos métodos anticoncepcionais e ao abortamento ilegal. A mulher que peregrina pelas unidades de saúde atrás de um DIU ou da laqueadura, direito garantido por lei, vai reclamar para quem? Para o bispo?
Dissemos na Constituição de 1988 que saúde é direito do cidadão e dever do Estado. Faço minhas as palavras da jornalista Cláudia Collucci em sua coluna: "Isso é lindo, uma conquista da qual não podemos abrir mão. Mas, na prática, nem países mais ricos e menos populosos ousaram prometer 'tudo para todos em saúde'".
O paradoxo é que de um lado as políticas públicas que deram bons resultados são as universais, de outro, a falta de recursos orçamentários, de gerenciamento competente e a praga da corrupção impõem aos dependentes do SUS uma assistência médica de difícil acesso, imprevisível e muitas vezes de baixíssima qualidade.
Não há como fugir da realidade: se as verbas destinadas à saúde são insuficientes, quanto menos utilizarem os serviços do sistema único os brasileiros que podem pagar por eles, mais recursos sobrarão para atender os que contam apenas com o SUS.
Num país cartorial, com as desigualdades abissais como o nosso, é absurda e injusta a ideia de considerarmos todos iguais diante do SUS, porque os mais ricos e influentes passarão na frente dos mais necessitados.
O fazendeiro mais influente da região entra na sala de espera do pronto-socorro público da cidadezinha. Quem será atendido antes? É justo o cidadão bater o BMW, gastar R$ 250 mil na oficina e operar o rosto no Hospital da Clínicas? Está certo precisar de um remédio importado e mover ação judicial contra o SUS, porque o advogado considera mais fácil ganhar do Estado do que enfrentar o departamento jurídico do plano de saúde?
Se a saúde pública do país vive momentos difíceis, o futuro poderá ser trágico. A faixa etária da população que mais cresce é a que já passou dos 60 anos. O Brasil fica mais velho e envelhece mal: 52% dos adultos estão acima do peso saudável, metade das mulheres e homens chega aos 60 anos com hipertensão arterial, perto de 12 milhões sofrem de diabetes –pelo menos um terço dos quais só descobrirá quando surgirem complicações graves.
O desafio é gigantesco. Somos obrigados a lidar com os problemas dos países ricos, antes de termos nos livrado das enfermidades do subdesenvolvimento: dengue, zika, tuberculose, malária e até hanseníase.
O aperto financeiro para tratar dos doentes que recorrem ao SUS é de tal ordem que não sobram recursos para investir em medidas preventivas. E o enfoque da saúde pública tem que estar na prevenção. Programas como o Saúde da Família devem ter prioridade absoluta e chegar às comunidades mais desprotegidas. Entre outras medidas, há que divulgar exaustivamente os cuidados preventivos pelo rádio, TV, internet e celular.
Em entrevista a Cláudia Collucci o atual ministro da Saúde chegou a sugerir que o SUS precisaria ser redimensionado. Diante da gritaria, parece que recuou. Não sei o que ele quis dizer com esse redimensionamento, mas foi pena haver recuado. A discussão viria em momento propício: se não há dinheiro para todos, que os estratos mais ricos da população cuidem da própria saúde e deixem o SUS para os que não têm alternativa. Não é lógico? Está na hora de deixarmos de lado a hipocrisia utópica e o estrabismo ideológico de antigamente.
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