Editorial - Folha de SP
Poderia considerar-se apenas um factoide, mas, dada a luz vacilante que emana do Planalto nestes primeiros tempos de governo, ganha significação política a súbita veemência de Michel Temer (PMDB). Com dois tapas na mesa, o habitualmente maneiroso presidente interino reagiu às críticas que circulam a seu respeito. Não se mostram injustificadas, diga-se.
Enquanto o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, apresentou desde a posse sinais inequívocos de determinação em seus objetivos, tem sido inversa a impressão causada pelas atitudes de Temer.
Extinguiu o Ministério da Cultura -para em seguida recriá-lo. Depois de compor um gabinete do qual mulheres não fazem parte, apressou-se a encontrar quem cumprisse o requisito para ocupar cargos de segundo escalão.
A custo, desautorizou alguns ministros, que nas primeiras entrevistas externaram concepções de mau alvitre. Alexandre de Moraes (Justiça) recuou após avançar opiniões sobre a indicação do procurador-geral da República; Ricardo Barros (Saúde) precipitou-se ao sugerir o redimensionamento do SUS.
Os desencontros e desandadas conotavam um ambiente de improvisação e falta de comando, sem dúvida perturbando a aura de habilidade política de que Temer sempre esteve cercado. O pior, contudo, ainda estava (ou estará) por vir.
Revelados por esta Folha, diálogos gravados pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado custaram a Romero Jucá (PMDB-RR) seu posto no Ministério do Planejamento -e ele não foi o único peemedebista de grande porte a ter suas inconfidências divulgadas.
Pelo menos o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o ex-presidente da República José Sarney (PMDB-AP) tiveram suas falas registradas em áudio. Pior para o trio, consta que Machado gravou muito mais do que se noticiou até agora, e não se sabe o que terá narrado aos investigadores num acordo de delação premiada.
Michel Temer, em duas semanas de governo, depara-se com o explosivo potencial de desmoralização entranhado no sistema que o sustenta. "Não temos compromisso com o equívoco", exclamou, enquanto golpeava a mesa presidencial. "Procurarei não errar, mas se o fizer, consertá-lo-ei", acrescentou, com um sorriso no canto da boca.
Fazendo da mesóclise sua marca registrada, o presidente interino pode resolver o problema dos pronomes, mas não o dos políticos da base parlamentar. Quanto a estes, não se sabe bem onde colocá-los: se na linha de frente, para que ajudem a aprovar projetos essenciais no Congresso, ou se na porta dos fundos, para que cuidem de seus inquéritos e seus processos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário