Editorial - Estadão
A remoção do entulho do atraso e da corrupção que colocam em perigo o futuro do País teve um avanço significativo com o afastamento de Dilma Rousseff da Presidência da República, mas o saneamento da política nacional estará ainda longe de ser alcançado enquanto o nefasto deputado Eduardo Cunha – em má hora guindado à presidência da Câmara – não for expurgado da vida pública. Na quarta-feira passada, em sólido e contundente parecer apresentado ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, o relator do processo que ali tramita há seis meses pediu a cassação do mandato de Cunha, formalmente pelo motivo de ter mentido à CPI da Petrobrás, no ano passado, quando negou que tivesse contas no exterior. Exatamente como está ocorrendo no caso do impeachment de Dilma, a punição de Eduardo Cunha se justifica não apenas pela comprovada infringência de dispositivos legais especificamente definidos, mas também pela evidência, de amplo domínio público, da prática continuada de crimes que, muito mais do que ofender o Direito, são prejudiciais às instituições democráticas.
O relator Marcos Rogério (DEM-RO) ofereceu ao Conselho de Ética da Câmara um parecer de 86 páginas solidamente fundamentado não apenas sobre o ato delituoso que justifica a existência do processo – ter mentido a seus pares ao depor espontaneamente na CPI da Petrobrás –, mas também, com base em farta documentação, sobre a prática de muitas outras ilicitudes, que vão desde a manipulação, em benefício próprio, de procedimentos legislativos, até o recebimento de propina de R$ 5 milhões do esquema de corrupção na Petrobrás. Por essa acusação em particular, Cunha é réu em processo no Supremo Tribunal Federal (STF).
É fato público e notório, portanto, que Eduardo Cunha está comprometido com atos ilegais que, além de lhe proporcionarem vantagens ilícitas, corroem a integridade das instituições, como é o caso das manobras que há seis meses executa com o objetivo de obstruir o processo de cassação de seu mandato. Essas manobras têm sido possíveis porque Cunha mantém sob sua influência uma tropa de choque de fiéis “aliados”, muitos deles cooptados por meio da obtenção de recursos para campanhas eleitorais e pelo oferecimento de vantagens e cargos não apenas no Parlamento, mas em todo o aparelho estatal.
Quem acusa Cunha não são adversários políticos ou detratores mal-intencionados. É o STF, que há quase um mês aprovou, por unanimidade, parecer pela suspensão dele das funções de deputado federal e, consequentemente, da presidência da Câmara dos Deputados. O parecer então oferecido a seus pares pelo ministro Teori Zavascki é contundente ao afirmar que a permanência de Eduardo Cunha “no livre exercício de seu mandato parlamentar e à frente da função de presidente da Câmara dos Deputados, além de representar risco para as investigações penais sediadas neste STF, é um pejorativo que conspira contra a própria dignidade da instituição por ele liderada. Nada, absolutamente nada, se pode extrair da Constituição que possa, minimamente, justificar a sua permanência no exercício dessas elevadas funções públicas”.
A suspensão do mandato de deputado de Cunha foi o caminho encontrado pela unanimidade da Suprema Corte para marcar posição em relação ao presidente afastado da Câmara, já que o mandato de um parlamentar só pode ser cassado por seus pares. O STF pode até condenar à prisão quem desfruta de foro privilegiado, como os senadores e deputados federais, mas não tem poder para cassar mandatos. Foi o que ocorreu em 2010 com o deputado Natan Donadon (PMDB-RO): condenado por corrupção pelo STF, foi trancafiado, mas só teve o mandato cassado em 2014, quando esse tipo de votação no plenário passou a ser obrigatoriamente aberta.
A decisão inédita dos ministros togados afastando o presidente da Câmara indica claramente aos deputados federais qual o único caminho digno à frente, primeiro, do Conselho de Ética e, depois, do plenário da Casa: a cassação definitiva, reclamada pelos brasileiros honestos, do mandato de Eduardo Cunha.
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