Editorial - Folha de SP
Em cerimônia realizada nesta quinta-feira (2), o presidente interino, Michel Temer (PMDB), elogiou o empenho do Congresso nos últimos dias e pediu uma salva de palmas para a Câmara dos Deputados, que horas antes havia aprovado o reajuste para o funcionalismo federal —uma iniciativa com impacto de ao menos R$ 58 bilhões até 2019. Isto é, em meio a uma das maiores recessões de nossa história, e enquanto parcelas crescentes da sociedade sofrem com a deterioração da renda e dos serviços públicos, Temer aplaude a decisão, ainda a ser referendada pelo Senado, de promover aumento bilionário de gastos estatais. Tudo às custas do contribuinte.
Argumenta-se que os acréscimos —elevação salarial média de 21,5%, dividida em quatro anos— foram negociados pela presidente afastada, Dilma Rousseff (PT); que não passam de correções atrasadas; que as despesas deste ano estavam previstas no Orçamento, com o rombo recorde de R$ 170 bilhões.
São alegações frágeis. Em nenhuma circunstância, e muito menos numa crise, o governo deveria tomar decisão tão dispendiosa a toque de caixa, sem reavaliar tal medida à luz dos sacrifícios que serão cobrados da população.
Infelizmente, porém, o governo que se declara em sintonia com os anseios da sociedade é o mesmo que cede às pressões de corporações muito bem remuneradas.
Nos últimos dias, Temer encontrou-se com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Consta que trataram do reajuste.
Para ficar apenas no exemplo dos ministros do STF, o salário deles saltará de R$ 33,8 mil para R$ 39,3 mil, ou cerca de 20 vezes o rendimento médio dos assalariados.
Pouco importa que os aumentos mal reponham a inflação se os vencimentos, em termos absolutos, são bastante elevados —e muito menos considerando que milhões de brasileiros pagam o preço da crise com seus empregos.
Ainda que algumas categorias pudessem ser contempladas, a bondade jamais poderia ocorrer no atacado. Com um Estado inchado e ineficiente, o país precisa caminhar para outra direção e rediscutir sua estrutura administrativa.
Num mundo que exige mais produtividade, é indefensável, por exemplo, a estabilidade quase irrestrita no emprego público. É ainda menos aceitável que aos generosos rendimentos dos altos escalões se acrescentem marcadores de fidalguia: carros oficiais, auxílios disso e daquilo, pródigas verbas de gabinete etc.
Provavelmente a opção de Michel Temer lhe renderá dias de tranquilidade com o funcionalismo, mas evidencia o quanto se põe de costas para a sociedade.
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