Por Arnaldo Jabor
Perdoem meu pobre “papo-cabeça”, mas eu estou preparando um novo filme e vejo como é difícil criar sem finalidade alguma, pois todo pensamento tem o desejo de conclusão, um desejo de certeza.
Como opinar sobre um mundo tão fragmentado? Temos de nos contentar com narrativas parciais. Não só no Brasil, mas no mundo inteiro, artistas e pensadores vivem perplexos – não sabem o que filmar, escrever, formular. Como era gostoso nosso modernismo, os cinemas novos, os movimentos literários, as cozinhas ideológicas... Os criadores se sentiam demiurgos falando para muitos. Como escreveu Beckett: que saudade das “velhas perguntas e das velhas respostas”. Ninguém sabe nada. Os textos sobre o tempo atual são cheios de lamentos pelo passado filosófico e ideológico e de pavores noturnos e fobias sobre o que vem a caminho... tipo “something wicked this way comes” “vem bode por aí...”, como diziam as bruxas de Shakespeare.
Hoje, num mundo inexplicável, na impossibilidade de representação do real, surgem novas formas de linguagem dramática. No cinema brasileiro, já temos uma tendência mais documental sobre a vida, sobre quase nada, onde o enredo e resquícios de sentido aparecem imperceptivelmente nas entrelinhas das cenas. São excelentes filmes, que traçam um novo caminho autoral, como Boi Neon e O Som ao Redor. Eles sabem que a arte “não é o reflexo da realidade, mas a realidade do reflexo”, como falou Jean-Luc Godard, o primeiro a destroçar a caretice do cinema de Hollywood.
Mas, mesmo em filmes menores, na falta das “grandes narrativas” do passado, estamos a procurar irrelevâncias, porque podem ser as pistas para novas “verdades”.
Essa é a dificuldade: Como falar de singularidades se sonhamos sempre com conceitos universais? Em geral, recorremos às atitudes mais comuns nas turbulências: desqualificar os fatos novos e reinventar um “absoluto” qualquer, sem saber que, como escreveu Baudrillard: “Não há mais universais; só o singular e o mundial”.
As palavras que eram nosso muro de arrimo foram esvaziadas. Por exemplo, “futuro”. Que quer dizer? Antes, era um lugar a que chegaríamos, um lugar no espaço-tempo, solucionado, harmônico, que nos redimiria da incerteza e do sofrimento. Antes, havia debates para ver quem “tinha razão”. Hoje, todos têm razão e ai daquele que criticar tendências, em nome de paradigmas seculares da arte. As tentativas de “grande arte” são vistas com desconfiança, como atitudes conservadoras diante da cachoeira de produções que navegam no ar. A busca da beleza é, muitas vezes, considerada um individualismo autoritário.
Com a libertação da tutela dos chamados “maîtres à penser”, dos seres que nos guiavam orgulhosamente, a busca de profundidade foi substituída por um vale-tudo formal em que a inteligência é substituída pela sacralização das irrelevâncias massificadas. Também, por outro lado, cresce uma arte confessional, que busca no inconsciente dos artistas alguma forma de verdade. Assim, a antiga aura deslizou da obra para o próprio autor – o assunto é ele mesmo. Isso me lembra o tempo em que achávamos que o “fluxo da consciência”, “the stream of consciousness” ou até o discurso psicótico encerravam uma “sabedoria” insuspeitada.
Em geral, as diagnoses sobre as mutações a que assistimos hoje em dia se dividem ou em lamentos por um passado de ilusões perdidas ou em euforia ingênua por um admirável mundo novo em que todos seriam autores e leitores. Nunca tivemos tantos criadores, tanta produção cultural enchendo nossos olhos e ouvidos com uma euforia medíocre, mas autêntica. Há uma grande vitalidade neste cafajestismo poético, enchendo a “web” de grafites delirantes. Repito que, talvez, esse excesso de “irrelevâncias” esteja produzindo um acervo de conceitos “relevantes”, ainda despercebidos.
Talvez esteja se formando uma nova força vital, um agente formador de crescimento no mundo que ainda não está claro. Não sei em que isso vai dar, mas o tal “futuro” chegou; grosso, mas chegou.
Estamos numa fase da exaltação da “quantidade”, como se a profusão de temas e criações substituíssem a velha categoria da “qualidade”. Agora, não há futuro; temos um presente incessante, sem ponto de chegada. Acabou aquela dimensão espiritual chamada antigamente de “cultura” que, ainda que confinada nas elites, transbordava sobre o conjunto da sociedade e nela influía, de algum modo. Se olharmos as grandes obras do passado, como as de Van Eyck, por exemplo, vemos que ali estavam as imagens mais profundas sobre a Idade Média.
Vivemos o pânico do presente. Configurou-se o vazio do “sujeito”, enquanto descobrimos nossa dolorosa finitude, que sempre tentamos esquecer. É tudo muito novo, tudo muito gelatinoso, ainda, com a morte das certezas totalitárias ou individualistas. Mas o que será considerado importante? Será que houve a morte da “importância”? Ou ela seria justamente esta explosão de conteúdos e autores? O “importante” seria agora o quantitativo? Não sei; mas, se tudo é ‘importante’, nada o é.
O mundo que temos pela frente é uma imprecisa água-viva. Perder as esperanças nas utopias liberais ou socialistas é o início de uma nova sabedoria. Benditos sejam os que amam o parcial, porque herdarão a Terra.
Como opinar sobre um mundo tão fragmentado? Temos de nos contentar com narrativas parciais. Não só no Brasil, mas no mundo inteiro, artistas e pensadores vivem perplexos – não sabem o que filmar, escrever, formular. Como era gostoso nosso modernismo, os cinemas novos, os movimentos literários, as cozinhas ideológicas... Os criadores se sentiam demiurgos falando para muitos. Como escreveu Beckett: que saudade das “velhas perguntas e das velhas respostas”. Ninguém sabe nada. Os textos sobre o tempo atual são cheios de lamentos pelo passado filosófico e ideológico e de pavores noturnos e fobias sobre o que vem a caminho... tipo “something wicked this way comes” “vem bode por aí...”, como diziam as bruxas de Shakespeare.
Hoje, num mundo inexplicável, na impossibilidade de representação do real, surgem novas formas de linguagem dramática. No cinema brasileiro, já temos uma tendência mais documental sobre a vida, sobre quase nada, onde o enredo e resquícios de sentido aparecem imperceptivelmente nas entrelinhas das cenas. São excelentes filmes, que traçam um novo caminho autoral, como Boi Neon e O Som ao Redor. Eles sabem que a arte “não é o reflexo da realidade, mas a realidade do reflexo”, como falou Jean-Luc Godard, o primeiro a destroçar a caretice do cinema de Hollywood.
Mas, mesmo em filmes menores, na falta das “grandes narrativas” do passado, estamos a procurar irrelevâncias, porque podem ser as pistas para novas “verdades”.
Essa é a dificuldade: Como falar de singularidades se sonhamos sempre com conceitos universais? Em geral, recorremos às atitudes mais comuns nas turbulências: desqualificar os fatos novos e reinventar um “absoluto” qualquer, sem saber que, como escreveu Baudrillard: “Não há mais universais; só o singular e o mundial”.
As palavras que eram nosso muro de arrimo foram esvaziadas. Por exemplo, “futuro”. Que quer dizer? Antes, era um lugar a que chegaríamos, um lugar no espaço-tempo, solucionado, harmônico, que nos redimiria da incerteza e do sofrimento. Antes, havia debates para ver quem “tinha razão”. Hoje, todos têm razão e ai daquele que criticar tendências, em nome de paradigmas seculares da arte. As tentativas de “grande arte” são vistas com desconfiança, como atitudes conservadoras diante da cachoeira de produções que navegam no ar. A busca da beleza é, muitas vezes, considerada um individualismo autoritário.
Com a libertação da tutela dos chamados “maîtres à penser”, dos seres que nos guiavam orgulhosamente, a busca de profundidade foi substituída por um vale-tudo formal em que a inteligência é substituída pela sacralização das irrelevâncias massificadas. Também, por outro lado, cresce uma arte confessional, que busca no inconsciente dos artistas alguma forma de verdade. Assim, a antiga aura deslizou da obra para o próprio autor – o assunto é ele mesmo. Isso me lembra o tempo em que achávamos que o “fluxo da consciência”, “the stream of consciousness” ou até o discurso psicótico encerravam uma “sabedoria” insuspeitada.
Em geral, as diagnoses sobre as mutações a que assistimos hoje em dia se dividem ou em lamentos por um passado de ilusões perdidas ou em euforia ingênua por um admirável mundo novo em que todos seriam autores e leitores. Nunca tivemos tantos criadores, tanta produção cultural enchendo nossos olhos e ouvidos com uma euforia medíocre, mas autêntica. Há uma grande vitalidade neste cafajestismo poético, enchendo a “web” de grafites delirantes. Repito que, talvez, esse excesso de “irrelevâncias” esteja produzindo um acervo de conceitos “relevantes”, ainda despercebidos.
Talvez esteja se formando uma nova força vital, um agente formador de crescimento no mundo que ainda não está claro. Não sei em que isso vai dar, mas o tal “futuro” chegou; grosso, mas chegou.
Estamos numa fase da exaltação da “quantidade”, como se a profusão de temas e criações substituíssem a velha categoria da “qualidade”. Agora, não há futuro; temos um presente incessante, sem ponto de chegada. Acabou aquela dimensão espiritual chamada antigamente de “cultura” que, ainda que confinada nas elites, transbordava sobre o conjunto da sociedade e nela influía, de algum modo. Se olharmos as grandes obras do passado, como as de Van Eyck, por exemplo, vemos que ali estavam as imagens mais profundas sobre a Idade Média.
Vivemos o pânico do presente. Configurou-se o vazio do “sujeito”, enquanto descobrimos nossa dolorosa finitude, que sempre tentamos esquecer. É tudo muito novo, tudo muito gelatinoso, ainda, com a morte das certezas totalitárias ou individualistas. Mas o que será considerado importante? Será que houve a morte da “importância”? Ou ela seria justamente esta explosão de conteúdos e autores? O “importante” seria agora o quantitativo? Não sei; mas, se tudo é ‘importante’, nada o é.
O mundo que temos pela frente é uma imprecisa água-viva. Perder as esperanças nas utopias liberais ou socialistas é o início de uma nova sabedoria. Benditos sejam os que amam o parcial, porque herdarão a Terra.
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