Editorial - Estadão
Mais conhecida como foro privilegiado, a figura jurídica do “foro especial por prerrogativa de função” tornou-se uma fonte de problemas para os tribunais superiores. A medida foi criada originariamente para proteger os principais dirigentes do País contra expedientes usados por adversários políticos para pressioná-los em decorrência do trabalho que exercem ou para desgastá-los às vésperas de campanhas eleitorais. No plano federal, essa prerrogativa é hoje aplicável não apenas ao presidente e vice-presidente da República, mas a todos os ministros, senadores, deputados federais, comandantes das Forças Armadas, procurador-geral da República e aos magistrados do Supremo Tribunal Federal. Beneficiando mais de 620 pessoas, o foro privilegiado sobrecarrega a mais alta Corte do Poder Judiciário, pois, além de cuidar de questões constitucionais e dos grandes temas jurídicos de interesse público, ela é obrigada a fazer a instrução de ações criminais.
Por causa dessa sobrecarga de trabalho, os processos penais movidos contra autoridades beneficiadas por essa prerrogativa tramitam com extrema lentidão. Além disso, como muitas dessas autoridades acabam perdendo o cargo, e portanto a prerrogativa do foro privilegiado, como é o caso de parlamentares que não conseguem se reeleger ou de ministros de Estado que são demitidos, as ações a que respondem são remetidas às instâncias inferiores. Isso aumenta ainda mais a demora do julgamento definitivo, pois permite que os advogados apresentem aos juízes de primeira e segunda instâncias pedidos de novos depoimentos, novas diligências e coleta de mais documentos públicos, para retardar a tramitação das ações até assegurar a prescrição do caso. E, se esses ex-parlamentares e ex-ministros eventualmente voltarem a um cargo parlamentar ou ministerial, a instrução das ações criminais tem de ser refeita.
Segundo pesquisas da Fundação Getúlio Vargas, por perda de foro o Supremo deixa de julgar 1/4 das ações penais abertas no Supremo contra autoridades públicas beneficiadas pela prerrogativa de foro. Das 180 ações desse tipo que tramitaram na Corte entre janeiro de 2007 e outubro de 2016, 46 acabaram prescrevendo. São ações que envolviam crimes de extorsão, peculato, falsidade ideológica e violação da legislação sobre concorrências públicas. É por isso que o foro privilegiado passou a ser associado à ideia de impunidade – o que ficou evidenciado quando a presidente Dilma Rousseff tentou nomear o ex-presidente Lula como chefe da Casa Civil, para que os processos em que é réu não fossem julgados pelo juiz Sérgio Moro, da 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba.
Para tentar reverter esse quadro e evitar que a impunidade de políticos e autoridades públicas macule a imagem da Justiça, a Procuradoria-Geral da República (PGR) reduziu em 91%, nos últimos 16 anos, o tempo que seus membros levam para se manifestar em inquéritos e ações criminais que envolvem autoridades e políticos com direito a foro privilegiado. Em 2001, a PGR demorava 560 dias, em média, para analisar uma ação no Supremo. Hoje, a demora é de 50 dias, em média. Na mais alta Corte do País, contudo, a situação é inversa, por causa do significativo aumento de denúncias contra políticos e autoridades públicas acusadas de corrupção, principalmente pela Operação Lava Jato. Só em 2015, foram abertos 230 novos inquéritos e 65 ações penais contra políticos com direito a foro privilegiado. Atualmente, o Supremo leva, em média, 1.237 dias para julgar essas ações. Esse número é 23 vezes superior ao registrado em 2002, quando o prazo era de 65 dias, em média.
É por isso que alguns ministros da Corte têm defendido publicamente uma restrição da prerrogativa de foro privilegiado. Se nenhuma medida for tomada para corrigir as deformações causadas pela expansão do número de beneficiários dessa prerrogativa, não há como se combater a corrupção de modo eficiente e obrigar agentes públicos e políticos a agir estritamente dentro das regras legais, dizem eles.
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