Editorial - Estadão
A divulgação da íntegra de um diálogo gravado entre Joesley Batista, dono da JBS, e um dos diretores de sua empresa, Ricardo Saud, revelou ao País, com toda a clareza, de que maneira criminosos confessos souberam explorar a sofreguidão do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em sua cruzada irresponsável para derrubar o presidente Michel Temer. A gravação do diálogo foi feita pelo próprio Joesley, supostamente sem querer, quando este e Saud preparavam o gravador para ser usado em uma das tantas armações que o empresário estava urdindo contra diversos políticos, entre os quais, como se sabe, o próprio Temer. Joesley repassou esse e outros áudios à Procuradoria-Geral no dia 31 passado, no momento em que circulavam informações segundo as quais a Polícia Federal havia encontrado sinais de diálogos apagados no gravador que o empresário entregou para perícia. Caso ficasse constatado que Joesley omitira algo da Procuradoria-Geral, o acordo de colaboração premiada que celebrou com Rodrigo Janot e que lhe valeu um inacreditável perdão judicial poderia ser rescindido.
A versão corrente é que Joesley não sabia que entre os arquivos que entregou no dia 31 estava a espantosa conversa com Ricardo Saud, seu subordinado, participante ativo das mutretas engendradas pelo empresário. Como tudo nesse escandaloso episódio, porém, não é possível acreditar nas aparências. Só o que ficou absolutamente claro para todos nessa gravação é que Joesley pretendia fazer o País inteiro de bobo para escapar da Justiça e usou para isso o procurador-geral da República – resta saber se com a anuência deliberada deste ou apenas contando com a imprudência que não tem faltado a Janot.
A segurança de Joesley sobre o sucesso de sua tramoia era tanta que, no diálogo, ele garantiu, como falso matuto: “A realidade é: nós não vai ser preso. Vamos fazer tudo, mas nós não vai ser preso”.
Entre um drinque e outro, Joesley e Saud, como camaradas em um botequim, falaram de mulheres, de corrupção e de como era fácil entregar o que os procuradores da República queriam para, em troca, ganhar a doce liberdade. A chave era tratar todos os políticos como criminosos, exatamente como pretendem certos paladinos do Ministério Público. “É só começar a chamar esse povo (os políticos) de bandido. Esses vagabundo bandido, assim”, explica Joesley, de maneira didática. A isso, o empresário chamou de “falar a língua” dos procuradores.
Não é de hoje que parte dos procuradores da República envolvidos na luta contra a corrupção, especialmente Rodrigo Janot, parece ter entendido que seu trabalho é realizar o saneamento da vida política nacional, razão pela qual quem quer que lhes ofereça qualquer fiapo de denúncia contra qualquer político, de preferência as mais graúdas autoridades da República, será considerado confiável e terá tratamento de colaborador. Joesley percebeu isso e tratou de bolar um plano para entregar o prêmio máximo: o presidente da República.
O estratagema incluía, segundo se confirma pelos diálogos, a ajuda de pelo menos um auxiliar direto de Rodrigo Janot, o procurador Marcelo Miller, que mais tarde deixaria a Procuradoria-Geral e seria contratado pelo escritório de advocacia que fez o acordo de leniência da JBS. “Nós somos do serviço, né? (A gente) vai acabar virando amigo desse Ministério Público, você vai ver”, disse Joesley ao subordinado. “Nós vai virar amigo desse Janot. Nós vai virar funcionário desse Janot”, prosseguiu, dando gostosas gargalhadas.
Há trechos nos diálogos que indicam a suposta participação de outros procuradores na articulação de Joesley para obter o acordo de delação premiada, que incluiu o grampo por meio do qual o empresário tentou incriminar o presidente Michel Temer. E há uma perturbadora menção ao próprio procurador-geral: “O Janot está sabendo”, diz Joesley.
Para coroar a desfaçatez, Joesley divulgou nota em que diz que tudo o que falou naquela gravação “não é verdade” e pede “as mais sinceras desculpas por esse ato vergonhoso e desrespeitoso”. Escarnecendo do País, Joesley tenta assim salvar o generoso acordo que Janot lhe deu de presente. Já o procurador-geral terá de se esforçar bem mais para salvar o que resta de dignidade em sua biografia.
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