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sábado, 17 de fevereiro de 2018

Editorial - Estadão: Uma intervenção injustificável

Não há razão objetiva que justifique a intervenção federal, restrita à segurança pública do Rio de Janeiro, decretada pelo presidente Michel Temer. A situação daquele Estado no que diz respeito ao crime organizado e à violência urbana não se tornou calamitosa de um dia para o outro, a ponto de demandar uma medida tão drástica exatamente agora, a poucos dias da esperada votação da reforma da Previdência, que, por força de determinação constitucional, não poderá ser realizada em razão da intervenção. Temer garante que os efeitos do decreto serão suspensos apenas para a votação, mas essa manobra certamente receberá inúmeras contestações judiciais e são imensas as possibilidades de o feitiço voltar-se contra o feiticeiro.

Ainda que se concluísse que a intervenção era mesmo necessária, é difícil compreender por que não se poderia esperar até depois da votação daquela reforma, pois não há notícia de ameaça iminente à ordem pública – apenas a rotineira violência das balas perdidas, dos morros conflagrados e dos assaltos a turistas. E se dizemos que a violência é rotineira é porque o desgoverno do Rio e a corrupção que corrói o aparelho do Estado de alto a baixo fizeram do horror o cotidiano daquela população.

Essa violência é intolerável, mas não será a intervenção federal que resolverá o problema. A segurança não é uma questão isolada, e sua degradação no caso do Rio é resultado de uma combinação de muitos fatores – irresponsabilidade administrativa, conivência com o crime organizado, corrupção generalizada, franqueamento do Estado a delinquentes de toda espécie e apatia social. Logo, intervir só na segurança pública até 31 de dezembro deste ano, como estabelece o decreto, tocará apenas na superfície do problema. Pode-se até alcançar alguma forma de trégua com o crime organizado nesse período, mas será algo apenas ilusório, pois todos os demais elementos que conduziram a esse estado de coisas permanecerão intocados. Desde o infeliz governo de Chagas Freitas há tréguas periódicas com os bandidos e o resultado é um só: quando os bandidos voltam a ser bandidos – pois mocinhos parece que lá não há –, o nível de violência aumenta, sempre acima do anteriormente registrado.

Para ter eficácia, a intervenção deveria atingir todos os setores da administração do Estado, mas esse enorme ônus político o presidente Temer não parece disposto a assumir. Mesmo limitada à segurança pública, a intervenção fará o quê? Depurará a própria polícia, tomada pelo crime organizado? Formará e treinará policiais honestos para substituir a súcia que se associou ao crime e hoje é sua linha auxiliar? Resolverá tudo isso em dez meses?

Há também o risco de que militares destacados para a missão no Rio se envolvam com o crime organizado. Esse é um risco sempre lembrado. Muitos deles são moradores dos morros do Rio em que deverão atuar e podem ser aliciados pelos narcotraficantes, como já advertiram autoridades. Ademais, o próprio uso das Forças Armadas para realizar a segurança pública é “desgastante, perigoso e inócuo”, como disse o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, no ano passado. Não houve um único caso de sucesso desse tipo de ação, e não há razão para acreditar que agora será diferente.

É improvável que ninguém no governo tenha levantado pelo menos uma dessas objeções nas discussões que desembocaram no decreto de intervenção. Sendo assim, é lícito perguntar quais os reais motivos por trás da decisão de Temer.

A primeira conclusão a que se pode chegar, considerando o timing, é que o presidente precisava criar condições para abandonar a reforma da Previdência, em razão das dificuldades evidentes de aprová-la. Com o imbróglio jurídico que o decreto certamente causará, Temer não teria o desgaste de um revés no Congresso. Há mesmo quem fale – e fala-se de tudo – que o presidente pode ter pretendido transformar a derrota em vitória política, talvez com vista à reeleição.

O fato é que, ao explorar um dos temas mais caros aos brasileiros – a segurança pública – e ao adotar um tom de comício na assinatura do decreto, dizendo que “nossos presídios não serão mais escritórios de bandidos nem nossas praças serão salões de festa do crime organizado”, o presidente dá margem a que se desconfie que, em ano eleitoral, o governante que pretendia ser reconhecido como reformista deixou-se seduzir por um atalho sombreado.

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