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segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Deus tá vendo? - Por Luciano Huck/Folha de SP

Onde Ele vive exatamente eu não sei, mas estou bem seguro de que o mundo do qual Ele estava acostumado a cuidar está se transformando muito rapidamente. E isso inclui a nuvem, até pouco tempo sua alva, tranquila e espaçosa morada, recentemente tomada por uma enxurrada de dados.

Há poucas semanas, em parceria com o ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro) e Brazil Lab, participei ativamente da organização e curadoria de uma conferência sobre GovTech (tecnologia aplicada à gestão pública).

Nossa ideia foi mover as primeiras pedras para a construção de uma agenda digital para o setor público no Brasil. Reunimos iniciativas e seus protagonistas, de todos os cantos do planeta. Exemplos nos quais a tecnologia tenha ajudado a escalar soluções para o Estado. Estavam presentes figuras e projetos inspiradores da Estônia, Índia, China, Chile, Uruguai, entre outros países.

Estamos a poucos dias de uma das eleições mais importantes da história da nossa República, um momento em que o Brasil está se posicionando cada vez mais atrás em relação ao mundo. Tentar reverter esse atraso é urgente.

A tecnologia pode nos ajudar a encontrar boas ideias e soluções eficazes para muitos dos nossos problemas e, até aqui, não enxergo em nenhum dos candidatos um projeto abrangente, moderno e minimamente claro sobre o tema.

Ao mesmo tempo, ficou evidente para mim a necessidade de uma agenda digital moderna para o Estado. Algo nessa linha foi dito por todos os candidatos presentes ao evento: Guilherme Boulos, Geraldo Alckmin, João Amoêdo, Henrique Meirelles e Marina Silva. Finalmente parece haver uma pauta que não divide, soma.

Creio que esta eleição não será sobre quem o eleitor prefere do ponto de vista ideológico ou filosófico, mas sim sobre que candidato reflete de alguma maneira os sentimentos das pessoas em relação a algo muito concreto que toca suas vidas. Por isso é mais do que necessário compreender claramente, e de modo muito pragmático, o projeto de país que cada um dos postulantes ao cargo maior da República está propondo.

Atendo-me à tecnologia, é curioso observar com algum grau de frustração que, de certa forma, os regimes totalitários tendem a ser muito mais eficientes do que as democracias quando o assunto é informação, haja vista a China, que nas últimas décadas vem tratando desse tema como um ativo estratégico para o desenvolvimento do país.

Considerando que a democracia é algo inegociável, nosso primeiro grande desafio será como ampliar e consolidar os dados sobre a nossa população. Encontrar os melhores meios e caminhos para que, preservando os limites individuais —e ao mesmo tempo gerando informação—, possamos construir, com o advento da inteligência artificial, blockchains, machine learning etc, algo bem mais valioso que o pré-sal, para citar apenas um exemplo antigo de riqueza nacional relevante.

Ao longo da história, os maiores ativos de um país foram se transformando: terras, forças militares, metais preciosos, capacidade de produção, entre outros. Daqui para frente a informação vai superar, se não todos, boa parte deles. E o seu mau uso pode ser mais perigoso que a corrida nuclear. Os traços visíveis do ciberterrorismo já revelam riscos muito maiores que os foguetes de Kim Jong-Un.

Posto isso, volto ao Brasil, volto à nossa eleição majoritária. Quero poder enxergar quem conduzirá o país para o caminho da inovação. Ideias e criatividade são o combustível do progresso; sem elas, cedo ou tarde, uma nação estaciona. E nós não temos mais tempo para ficar no acostamento enquanto o mundo se move de maneira rápida.

Não adianta querer fazer, mas fazer de qualquer jeito. O Brasil vem tentando melhorar nessa área, mas sem um projeto maior e sem um líder que de fato entenda e defenda uma agenda digital positiva e relevante para o setor público. Nessa toada, vamos continuar seguindo por caminhos desconexos, cada um correndo numa direção.

Para se ter uma ideia mais objetiva do problema, o Brasil tem seis diferentes cadastros digitais da sua população. É óbvio que, assim, nenhum deles ganha escala ou relevância. Quem tem seis não tem nenhum. E só o governo federal tem 48 aplicativos oficiais para "ajudar" o cidadão na sua relação com o Estado. Por favor, me diga quem tem um smartphone que carregue tudo isso, e me diga também quem consegue administrar simultaneamente 48 diferentes interfaces com o governo?

Esses dois pequenos exemplos refletem bem como o Brasil tenta avançar nessa agenda: mais uma vez loteando poderes, multiplicando custos e exibindo a nítida falta de um projeto maior. A tecnologia pode, sim, escalar a antítese de tudo isso: desburocratização, eficiência, transparência e por aí afora.

Candidatos, apresentem suas propostas. Uma boa agenda digital para o setor público pode acelerar muitas das soluções de que precisamos. Bons exemplos pelo mundo não faltam. Mesmo que seja à base do copy e paste. Por que não?

Aliás, tudo o que foi debatido no evento que mencionei está disponível gratuitamente para os candidatos e para qualquer cidadão que queira entender o que nos aguarda no futuro, seja uma evolução inteligente e positiva, seja a lanterninha dos rankings modernos de desenvolvimento humano e das nações.

Quanto a Deus, se Ele está ou não vivendo no ciberespaço, não arrisco palpite. Mas espero que esteja olhando por nós. Estamos precisando.

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