As ruas de Marabá serão tomadas por passeata e ato ecumênico devido à morte de casal ambientalista
Uma passeata pelas ruas de Marabá e um ato ecumênico marcarão hoje o sepultamento de Maria do Espírito Santo da Silva e José Cláudio Ribeiro, 54 anos, assassinados por pistoleiros na manhã de anteontem, em uma vicinal a oito quilômetros de Nova Ipixuna, no sudeste do Pará. Os dois serão sepultados, às 10 horas, no Cemitério da Saudade, em Marabá. Ontem à tarde, representantes de movimentos sociais da região estiveram reunidos, com as famílias das vítimas, para definir a programação de hoje.
Dezenas de entidades da sociedade civil, entre as quais a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Regional Norte II, se pronunciaram em notas de repúdio ao crime. As vítimas vinham sendo ameaçadas de morte desde 1997, quando começaram a denunciar madeireiros que exploravam ilegalmente a floresta.
O crime ganhou repercussão internacional e a família avisa que vai continuar o trabalho em defesa da floresta, que motivou a morte do casal. Ontem, durante o velório, a sobrinha de José Cláudio, Carla Santos, avisou que a família decidiu que vai, de alguma forma, manter a luta do casal para preservar a floresta contra os madeireiros. "Faz 12 anos que meus tios resolveram enfrentar os inimigos da floresta. Eles trabalhavam como extrativistas, coletando frutos e óleo, sem agredir o meio ambiente. Foram ameaçados várias vezes e denunciaram isso. As autoridades assistiram tudo de braços cruzados e não fizeram nada. Agora vieram todos para cá", ironizou.
Carla estranhou o pronunciamento do secretário de Estado de Segurança, ao afirmar que não havia nos registros das delegacias da região nenhuma denúncia, por parte de José e Maria, de que estavam sendo ameaçados de morte. "É lamentável. Tantas vezes deram parte na polícia, e a gente até se espanta com isso", diz. Segundo a Polícia Civil, a denúncia foi apresentada ao Ministério Público Federal em Marabá, contra madeireiros de Jacundá e de Nova Ipixuna que pressionavam os assentados daquela área, em Maçaranduba, para vender suas terras ou colaborar no desmatamento ilegal. O Ibama chegou a abrir um inquérito para apurar o caso.
Entidades criticam falta de segurança no interior paraense
A Regional Norte 2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) manifestou "sua profunda indignação em razão de mais um assassinato de lideranças no campo do Estado do Pará. Diante desse triste e lamentável episódio, que escancara a deficiência do Estado brasileiro em defender os filhos da terra", diz a nota.
A União Geral dos Trabalhadores no Estado do Pará "não pode se calar, não pode silenciar diante de mais um fato lamentável de derramamento de sangue na região sul deste Estado, que é um dos que mais têm aberto postos de trabalho no Norte do Brasil em função das riquezas."
A Associação da Cadeia Produtiva Florestal da Amazônia (UniFloresta) "repudia com veemência as ações dos criminosos. A UniFloresta informa tristemente que esta realidade não tende a acabar, por mais que os entes públicos afirmem que combaterão firmemente os assassinatos e punirão os autores dos disparos".
A Associação Nacional dos Procuradores da República lamentou as mortes e disse que "José Cláudio e Maria do Espírito Santo eram defensores da Floresta Amazônica e do desenvolvimento sustentável".
Para a Coordenação Nacional da CPT, "esta é mais uma das ações do ‘agrobanditismo’ e mais uma das mortes anunciadas".
O Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) "vem a público manifestar seu total repúdio ao assassinato de Maria do Espírito Santo e José Cláudio Ribeiro.
"Agora estamos mais fortes e unidos"
José Cláudio e Maria do Espírito Santo foram pioneiros na criação da reserva extrativista do Assentamento Praia Alta Piranheira naquele ano. Trata-se de uma área de 22 mil hectares, uma das últimas reservas de castanha-do-pará, da região sudeste do Estado. Há também muito açaí, andiroba, cupuaçu e outras espécies adequadas à atividade extrativa.
Rica em madeira, a reserva era constantemente invadida por madeireiros de Nova Ipixuna e Jacundá, mas também sofria pressão de fazendeiros interessados em expandir a criação de gado, segundo relato da assessoria jurídica da Comissão Pastoral da Terra - CPT.
Represália - O diretor do Conselho Nacional das Populações Extrativistas, Atanagildo Matos, disse ter certeza de que as mortes de Maria do Espírito Santo e João Cláudio Ribeiro da Silva, no Pará, foram encomendadas a fim de prejudicar as comunidades que vêm denunciando o desmatamento ilegal, promovido por madeireiros. As informações são da Agência Brasil.
Matos é amigo próximo do casal de extrativistas assassinados anteontem. Ele advertiu que, no entanto, o tiro saiu pela culatra. "Agora estamos mais fortes e unidos para defender a floresta. Ainda não sabemos exatamente quem foi o mandante porque as denúncias feitas por João atingiam diversos grupos e interesses. Mas tenho certeza de que essas mortes foram encomendadas", disse Matos.
Segundo ele, o assassinato do casal deixou a comunidade muito abatida, mas disposta a reagir. "A morte deles deixou o movimento mais indignado e vamos buscar forças nessa indignação para pressionar o governo a respeitar nosso pedido e a população das florestas", acrescentou o diretor do CNS.
Governo federal afirma que não sabia de ameaças a líderes
Representantes de órgãos públicos disseram ontem que desconheciam ameaças de morte aos líderes extrativistas José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, assassinados anteontem em Nova Ipixuna (481 km de Belém).
A Secretaria Estadual de Segurança Pública, a Ouvidoria Agrária - ligada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário -, o Ibama e o Incra afirmaram não ter registros anteriores de denúncias. Representantes desses órgãos estiveram no velório do casal, realizado ontem em Marabá, no sudeste paraense. De terno e gravata, acompanhados de agentes da Polícia Federal, chamaram a atenção das dezenas de pessoas que estavam no local. O velório foi realizado na casa de um irmão de José Claudio, em um espaço que, em dias comuns, é um bar. Antes da visita, familiares, amigos e membros de movimentos sociais haviam responsabilizado os mesmos órgãos por omissão e afirmaram que eles foram informados das ameaças de morte. Eles planejam uma manifestação para hoje. O casal aparece no último levantamento de ameaçados de morte elaborado pela CPT (Comissão Pastoral da Terra), ligada à Igreja Católica.
Um dos advogados da comissão, José Batista Afonso, disse que órgãos dos governos federal e estadual receberam esse documento. A sobrinha do casal assassinado, Clara Santos, 24, declarou que eles sofriam ameaças por denunciar madeireiros da região. O casal morava no assentamento extrativista Praia Alta Piranheira, na zona rural de Nova Ipixuna, e a casa deles chegou a ser invadida várias vezes quando não estavam. Para a sobrinha, essas invasões foram sinais de pressão para que cessassem com o ativismo ambiental. "Nós sabemos que o gato vai atrás do rato. Só falta saber qual gato foi o responsável dessa vez", disse a sobrinha.
Em um dos eventos de que participou na Amazônia, José Claudio disse que vivia "com uma bala na cabeça" e que madeireiros queriam fazer com ele o mesmo que fizeram com Chico Mendes, assassinado no Acre, e com a freira Dorothy Stang, no Pará.
A Polícia Civil diz que ainda não tem pistas dos assassinos. A hipótese é que o crime tenha sido encomendado. Dois homens atiraram no casal enquanto atravessava uma estrada, de motocicleta, em direção ao centro da cidade, conforme a perícia.
A Polícia Federal também abriu investigação para o caso a pedido da presidente Dilma Rousseff. Os inquéritos devem ser paralelos. (No Amazônia)
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