Os doze médicos traumatologistas e ortopedistas que atuam em cinco hospitais particulares de Belém conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS) resolveram se descredenciar do sistema. Eles estão descontentes com os valores pagos pelos procedimentos cirúrgicos, com o atraso no repasse destes pagamentos e falta de estrutura de trabalho. Os profissionais já haviam comunicado a decisão à Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) e à direção dos hospitais desde a última sexta-feira, 29, mas o Ministério Público Federal (MPF) recomendou que os médicos fizessem o descredenciamento eletrônico no Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (Cnes).
Ontem, em reunião com o Sindicato dos Médicos do Pará (Sindmepa), a direção do sindicato informou sobre a recomendação do MPF e eles garantiram que vão fazer o procedimento de desvinculação. O atendimento em cinco hospitais fica prejudicado. São eles: Clínica dos Acidentados, Hospital Beneficente Portuguesa, Hospital Santa Terezinha, Hospital São Lucas e Clínica Cirúrgica Samaritano.
Segundo o diretor do Sindmepa, João Gouveia, os valores pagos pelas cirurgias traumatológicas e ortopédicas chegam a ser 'irrisórios', variando entre R$ 50 e R$ 100. 'Um exemplo é a cirurgia de ‘pé torto congênito’, que é demorada e complexa, mas o valor do procedimento é de apenas R$ 70', diz o diretor. Os médicos pedem um reajuste de 350% a 500% (dependendo do procedimento), mas, na mesa de negociações realizada na semana passada com a Sesma, os dois lados não entraram em acordo.
Gouveia reafirma que os traumatologistas já estavam afastados de suas atividades. 'Eles já haviam comunicado por meio de documento sobre a decisão, mas, de fato, não haviam feito esse descredenciamento eletrônico. Agora, eles farão o procedimento certo', ressalta. Segundo a recomendação expedida na última segunda-feira pelo MPF, a desvinculação eletrônica é necessária e, caso não seja feita, os profissionais continuam sendo reconhecidos, para todos os efeitos legais, como médicos do SUS.
O diretor do Sindmepa lembra que a situação de descontentamento dos profissionais já vem se arrastando há algum tempo. O estopim da insatisfação foi um caso ocorrido no hospital Santa Terezinha, há três semanas. Uma criança chegou ao hospital para realização de cirurgia, mas não tinha o devido encaminhamento e não foi atendida. Na época, o promotor militar Armando Brasil afirmou que os médicos que se recusassem a prestar atendimento seriam detidos. 'Depois tudo foi esclarecido, já que não se tratou de uma recusa no atendimento. Mas, ainda assim, três colegas traumatologistas resolveram se afastar já naquela semana', lembra o diretor.
Apesar de terem decidido pelo descredenciamento, os médicos estão dispostos a voltar ao convênio com o SUS, caso suas reinvindicações sejam atendidas pela Sesma. 'Os médicos já informaram seu interesse em continuar trabalhando, mas os valores precisam ser revistos e negociados', afirma Gouveia.
Secretária: impacto de reajuste seria grande
Para a secretária municipal de Saúde, Sylvia Santos, o descredenciamento do SUS é um direito dos traumatologistas. 'Não cabe à Sesma prejulgar esta decisão dos médicos. Ninguém pode obrigar o outro trabalhar, portanto a Sesma respeita essa decisão e não cabe a nós julgar isto', diz. Segundo ela, em nenhum momento a Sesma se furtou de negociar com os médicos. 'O que acontece é que eles estão cobrando um aumento de 350 a 500% nos valores da tabela atual do SUS. Em toda gestão pública, no entanto, há um planejamento orçamentário que é definido no ano anterior, e haveria um grande impacto com esse percentual de aumento', informou a secretária.
Sylvia afirma que o descredenciamento dos traumatologistas acarreta, inevitavelmente, em um prejuízo no atendimento público de saúde do município. 'Hoje temos 57 crianças aguardando na Central de Leitos para os procedimentos cirúrgicos eletivos, sendo que 50% são do interior do Estado', ressaltou a secretária, informando que está programada para a manhã de hoje, às 11h, uma reunião com o secretário de Estado de Saúde para que as duas esferas possam 'afinar o discurso' sobre o impasse.
Mesmo com o desfalque de traumatologistas nas clínicas privadas, a secretária de Saúde reforça que as cirurgias nos pronto-socorros da capital estão mantidas. 'Nós não podemos e não vamos fechar as portas dos PSM; portanto, as cirurgias de urgência estão sendo realizadas nestes hospitais. Claro que o atendimento fica sobrecarregado e a qualidade cai, mas não vamos nos furtar de atender a população por conta disso', garante Sylvia.
Sobre a substituição dos médicos que se afastaram de suas atividades, a titular da Sesma afirma que esta questão cabe à direção dos hospitais conveniados. Na última segunda-feira, o MPF recomendou aos hospitais que substituíssem imediatamente os médicos que se desligarem do SUS para que não haja interrupção na prestação de serviços. No entanto, para o presidente da Associação dos Hospitais do Pará, Breno Monteiro, não há profissionais para assumirem estes cargos. 'Não existem médicos que aceitem trabalhar sob estas condições. Os doze sobreviventes, como costumo chamá-los, deixaram o barco. E a Sesma quer passar para os hospitais a responsabilidade de resolver isso, mas quem tem que dar solução é o órgão gestor', afirma. (No Amazônia)
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