De acordo com depoimento relatado em documento por dois agentes de trânsito, o ex-diretor técnico-operacional do Departamento de Trânsito do Estado (Detran), tenente-coronel Ruy Celso Lobato dos Santos, obrigava cada agente a cumprir meta de pelo menos duas remoções de veículo a cada turno de serviço, além de identificar os condutores infratores a qualquer custo, abrindo margem para várias situações, inclusive irregularidades, como o acidente que provocou morte de um estudante.
O relato é descrito no Termo de Interrogatório dos agentes de trânsito envolvidos na morte de Cleber Cley Pinto Marques Fonseca Filho, de 18 anos, durante perseguição em 2010. São eles os agentes Diego Miguel Silva de Souza, que afirma ter gravações das reuniões de trabalho comprovando as ordens dada pelo ex-diretor, e Danilo Augusto da Silva. O documento em questão é o Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) nº 2010/35582, da Portaria nº 2232/2011-DG/PROJUR. Também assinam o documento o presidente da Comissão do PAD, Antônio Villar Pantoja Júnior, a secretária da Comissão do PAD, Glauce Ivelize Carvalho Silva, o membro da Comissão do PAD, Geórgia Oliari Toso, e o advogado de defesa dos agentes, Carlos Alberto Valcácio dos Santos, que segundo os pais da vítima, Cleber e Carla Fonseca, deixou o caso recentemente e agora está em São Paulo (SP).
Os depoimentos, porém, não citam há quanto tempo ocorria essa prática, mas os agentes são enfáticos ao afirmar que o ex-diretor Ruy Santos considerava "inadmissível que um agente trabalhasse 12 horas e não removesse nenhum veículo" e que as orientações repassadas por ele, no que diz respeito aos procedimentos de identificação e abordagem de condutores infratores, eram questionadas e descartadas pelos agentes.
Conforme o depoimento do agente Diego Miguel, tomado a partir das 10h30 do último dia 9 de agosto, na época do acidente ele cumpria escala de 12 horas de serviço iniciada por volta das 20 horas do dia 4 de fevereiro, se encerrando por volta das 8 horas do dia seguinte, juntamente com o agente Danilo Silva. Afirmou também que quase nunca havia sido escalado para operações móveis, visto que são de competência do Centro Integrado de Operações (Ciop 190), e que geralmente era destacado apenas para as operações especiais do Detran.
As operações móveis, segundo o depoimento dele, eram regra para o órgão e as fixas, exceção, sendo determinadas pelo ex-diretor. Essas operações, inclusive, haviam sido instituídas no período do Fórum Social Mundial, com atuação apenas nas proximidades do local do evento, porém estenderam-se para outros pontos da região metropolitana, incluindo o local do acidente, no bairro do Reduto.
Durante a madrugada, por volta das 1h40, no dia do acidente, a equipe formada pelos agentes Diego Miguel e Danilo Silva estava na rua Diogo Móia quando avistou o condutor de uma motocicleta - Cleber Filho - trafegando sem capacete e em alta velocidade. Em virtude das irregularidades constatadas e do fato de os moradores acharem que os agentes nada faziam, segundo os agentes, eles partiram em busca do infrator, o que é detalhado nas páginas 3, 4 e 5 do PAD.
Além disso, ao ser indagado pela integrante da Comissão do PAD Geórgia Toso sobre a numeração da placa da viatura 078, cujos laudos do Centro de Perícias Científicas Renato Chaves apontam para uma adulteração, Diego alegou não recordar desse detalhe. Respondeu ainda que tomou todos os cuidados necessários ao manobrar o veículo e que desconhece o motivo que ocasionou o acidente, posteriormente provocando a morte do estudante - considerado "imprudência" no depoimento do agente Danilo -, apesar de admitir que nunca realizou curso de formação de condutores de veículo de emergência.
Por fim, alegou que a operação móvel do Detran foi extinta logo após esse acidente e que, em sua opinião, "empreender perseguição a um condutor infrator seria desnecessário, pois há a possibilidade de se lavrar auto de infração, de forma excepcional, sem a abordagem". Mas que "nas reuniões de trabalhos realizadas pela Diretoria, à época, eram dadas orientações de que todos os agentes de trânsito presentes deveriam empreender todos os esforços necessários no sentido de identificar o condutor infrator (...) dadas pelo ex-diretor, coronel Ruy". No final do depoimento, inclusive, o agente Diego cita a existência de um documento exarado pelo tenente-coronel Ruy Santos cobrando essa produtividade das chefias subalternas.
Prisão deve ser decretada esta semana, acredita promotora
Para a promotora Rosana Cordovil, que formalizou esta semana a denúncia contra os agentes de trânsito Diego Miguel e Danilo Silva, a expectativa é que o juiz da 3ª Vara do Tribunal do Júri da Comarca da Capital, para o qual a denúncia foi encaminhada, decrete ainda esta semana a prisão preventiva dos denunciados.
Os agentes são apontados como os responsáveis pelo acidente que, posteriormente, provocou a morte do estudante Cleber Cley Pinto Marques Fonseca Filho, de 18 anos, durante uma perseguição, em fevereiro de 2010. Na denúncia, inclusive, a promotora destaca que os denunciados "de comum acordo decidiram ceifar a vida de Cleber", além de "aguardar o melhor momento para executar o delito".
Segundo ela, devido se tratar de um crime que teve grande repercussão na mídia, o juiz deverá decretar a prisão preventiva de Diego e Danilo até a próxima sexta-feira, 23. "Amanhã (hoje) a denúncia deverá estar disponível no cartório da 3ª Vara e, assim que o juiz pô-la em mãos, deverá atender a requisição imediatamente, até porque o delegado responsável pelo inquérito também o fez", acrescenta a promotora Rosana, referindo-se ao delegado Evando Martins.
A requisição da prisão preventiva, inclusive, é fundamenta da periculosidade no modus operandi do crime, visto que a morte foi dolosa e provocada por motivo fútil, sem possibilidade de defesa.
Os pais da vítima, Cleber e Carla Fonseca, pretendem entregar em mãos uma cópia da denúncia ao presidente do Processo Administrativo Disciplinar (PAD), Antônio Villar Pantoja Júnior, e exigir cumprimento imediato do artigo 29 do Regimento Jurídico Único (RJU), para que os agentes sejam afastados do exercício do cargo até o final da sentença. "É inadmissível que estes agentes continuem atuando nas ruas, visto que respondem por um crime grave como este. Infelizmente, muitos jovens da nossa capital são imprudentes ao guiar motocicletas sem capacete ou demais itens de segurança, entretanto, isso não justifica a ação desses servidores que provocaram a morte de um inocente", diz a promotora.
Oficial: informações são "maluquice"
Contatado por telefone, o tenente-coronel Ruy Santos considerou "maluquice" as informações dadas pelos agentes de trânsito. Disse ainda que não pretende dar satisfações nem explicar seu comportamento quando esteve à frente da direção técnica-operacional do Detran, pois "nunca" em toda sua carreira "foi envolvido em algo desta natureza".
Além disso, se porventura for chamado para se explicar sobre essas acusações, pretende resolver tudo judicialmente, pois a única coisa que cobrava dos agentes era "presença, compromisso e trabalho. Nunca excessos".
Sobre as supostas ações do ex-diretor, a assessoria de imprensa do Detran informou que encaminhou a situação à Corregedoria, que apura o caso. A instituição não deu mais nenhum retorno até o fechamento desta edição.
Batida foi proposital, dizem testemunhas
Na madrugada do dia 5 de fevereiro de 2010, Cleber Filho guiava uma moto sem capacete na rua Diogo Móia, no Umarizal, sendo flagrado por três viaturas do Detran. O estudante fugiu por não ter documentos e foi iniciada uma perseguição que durou cerca de 3 km, se encerrando em frente a um posto de gasolina, no bairro de Fátima.
Segundo as testemunhas, uma das viaturas do Detran atingiu de propósito a motocicleta guiada por Cleber e, após o choque, o estudante foi lançado ao chão. Com o acidente, Cleber entrou em coma profundo e morreu em 19 de fevereiro, em razão dos ferimentos. (No Amazônia)
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