Por Mariliz Pereira Jorge - Colunista da Folha de SP
Todas as vezes que tenho um dia duro e frustrante no trabalho, penso em como seria maravilhoso ser "do lar". E, hoje, não tenho vergonha de admitir que em alguns momentos já senti mais prazer e satisfação em encarar uma arrumação num armário, em cortar cebola bem picadinha para cozinhar, do que passar o dia em frente ao computador. Já ouvi a mesma coisa de várias mulheres.
Não que a vida em casa não seja dura e frustrante muitas vezes. Cortar cebola todos os dias, ir ao supermercado comprar detergente, não tem nada de divertido.
É hipocrisia acreditar que não haja um preconceito velado por quem escolhe esse caminho. Pois é. Eu tinha esse sentimento. A minha geração foi criada para trabalhar, não havia outra opção. É como se tivéssemos uma dívida com as conquistas feministas que precisava ser honrada. Como assim, você tinha tantas opções e preferiu ficar em casa, dependendo de alguém, com um mundo tão sedutor lá fora?
Vamos encarar um fato: a dona de casa dos anos 1950 está em extinção, felizmente. Aquela vida devia ser um tédio. A mulher era condenada a passar seus dias confinada dentro de quatro paredes com a televisão e o rádio como companhia. Uma rotina infame de limpar a casa diariamente, preparar almoço e jantar, lavar, passar, deixar o taco do chão tão limpo que dava para escorregar, esperar o marido chegar em casa, de banho tomado e sem reclamar. Presídios deviam ser mais divertidos.
Hoje, quem não conta com uma faxineira que dê uma garibada na casa uma vez por semana, tem máquina de lavar roupa, lava-louças, aspirador de pó e, espero, um companheiro com quem dividir as tarefas. Tem delivery, restaurante por quilo, comida congelada. Tudo pra que ninguém fique confinado a afazeres enfadonhos e cansativos. E pra completar, temos o mundo dentro de casa com todas as tecnologias disponíveis.
E eu agora, mais consciente e menos preconceituosa, me pego flertando com a vida do "lar". Quem sabe um dia eu passe as tardes areando as pratarias com Silvo, comprando flores frescas toda semana para enfeitar a casa, entre um crochê no sofá, vendo minha série favorita e uma pia cheia de louça. Dizem, afinal, que lavar pratos é das melhores terapias.
Mas o sonho de ser do "lar" só existe porque realizei todos os outros fora de casa. Não dá para ser do lar antes de ser da vida. É libertador não precisar provar nada para ninguém, nem para si mesmo. Você já foi, já se estrepou, já fez dar certo, ganhou tapinhas nas costas, acumulou glórias. O mundo sabe que você é capaz. Você se testou e agora pode escolher.
Não recomendo a nenhuma garota que se aposente da vida sem experimentar dela. Sem vestir carapuças variadas. Descabelada, descompensada, desbocada, desvairada, despudorada, desmiolada, desmedida, descarada, destroçada, disputada, desligada, decotada, delicada, desejada, renomada, lembrada, indomada. Seja várias, seja muitas.
Não seja do lar antes de ser do mundo, antes de ser uma mulher da vida. Não se acomode em camas macias e cheirosas, antes de ter perambulado por aí, dormido em albergues, hotéis, barracas, camas de estranhos, dentro de trens, de ônibus e aviões. Sem experimentar a liberdade de não saber onde estará no dia seguinte
Não sem antes ler, estudar, aprender, saber das coisas dos livros e da vida. Sem antes colocar em prática o que era só teoria. Sem pedir demissão, ser demitida, abandonar amores, ser deixada, sem provar do doce e do amargo, sem ter tido muitos finais felizes e tantos outros tristes. Sem ter enfrentado inúmeros recomeços. Sem ter caído mil vezes e ter aprendido a se levantar.
A gente tem que sair de casa para um dia querer voltar e sentir-se confortável com nossa escolha.
Não que a vida em casa não seja dura e frustrante muitas vezes. Cortar cebola todos os dias, ir ao supermercado comprar detergente, não tem nada de divertido.
É hipocrisia acreditar que não haja um preconceito velado por quem escolhe esse caminho. Pois é. Eu tinha esse sentimento. A minha geração foi criada para trabalhar, não havia outra opção. É como se tivéssemos uma dívida com as conquistas feministas que precisava ser honrada. Como assim, você tinha tantas opções e preferiu ficar em casa, dependendo de alguém, com um mundo tão sedutor lá fora?
Vamos encarar um fato: a dona de casa dos anos 1950 está em extinção, felizmente. Aquela vida devia ser um tédio. A mulher era condenada a passar seus dias confinada dentro de quatro paredes com a televisão e o rádio como companhia. Uma rotina infame de limpar a casa diariamente, preparar almoço e jantar, lavar, passar, deixar o taco do chão tão limpo que dava para escorregar, esperar o marido chegar em casa, de banho tomado e sem reclamar. Presídios deviam ser mais divertidos.
Hoje, quem não conta com uma faxineira que dê uma garibada na casa uma vez por semana, tem máquina de lavar roupa, lava-louças, aspirador de pó e, espero, um companheiro com quem dividir as tarefas. Tem delivery, restaurante por quilo, comida congelada. Tudo pra que ninguém fique confinado a afazeres enfadonhos e cansativos. E pra completar, temos o mundo dentro de casa com todas as tecnologias disponíveis.
E eu agora, mais consciente e menos preconceituosa, me pego flertando com a vida do "lar". Quem sabe um dia eu passe as tardes areando as pratarias com Silvo, comprando flores frescas toda semana para enfeitar a casa, entre um crochê no sofá, vendo minha série favorita e uma pia cheia de louça. Dizem, afinal, que lavar pratos é das melhores terapias.
Mas o sonho de ser do "lar" só existe porque realizei todos os outros fora de casa. Não dá para ser do lar antes de ser da vida. É libertador não precisar provar nada para ninguém, nem para si mesmo. Você já foi, já se estrepou, já fez dar certo, ganhou tapinhas nas costas, acumulou glórias. O mundo sabe que você é capaz. Você se testou e agora pode escolher.
Não recomendo a nenhuma garota que se aposente da vida sem experimentar dela. Sem vestir carapuças variadas. Descabelada, descompensada, desbocada, desvairada, despudorada, desmiolada, desmedida, descarada, destroçada, disputada, desligada, decotada, delicada, desejada, renomada, lembrada, indomada. Seja várias, seja muitas.
Não seja do lar antes de ser do mundo, antes de ser uma mulher da vida. Não se acomode em camas macias e cheirosas, antes de ter perambulado por aí, dormido em albergues, hotéis, barracas, camas de estranhos, dentro de trens, de ônibus e aviões. Sem experimentar a liberdade de não saber onde estará no dia seguinte
Não sem antes ler, estudar, aprender, saber das coisas dos livros e da vida. Sem antes colocar em prática o que era só teoria. Sem pedir demissão, ser demitida, abandonar amores, ser deixada, sem provar do doce e do amargo, sem ter tido muitos finais felizes e tantos outros tristes. Sem ter enfrentado inúmeros recomeços. Sem ter caído mil vezes e ter aprendido a se levantar.
A gente tem que sair de casa para um dia querer voltar e sentir-se confortável com nossa escolha.
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