SANTARÉM DO MEU AMOR...
Autor: Cristovam Sena
Santarém já festejou seu aniversário no dia 24 de outubro, quando comemorava sua elevação de Vila à categoria de Cidade, ocorrido no ano de 1848.
Em 1948, ano do centenário da elevação de Santarém à categoria de Cidade, o então prefeito Aderbal Tapajós Caetano Corrêa murou o campo de futebol e fez outras melhorias no espaço que era conhecido como "Parque São Francisco", que depois passou a ser denominado Estádio Municipal Aderbal Corrêa.
No dia 24 de outubro, dentro da programação dos festejos do centenário, foi inaugurada a Praça do Centenário e a primeira rádio no interior da Amazônia, Rádio Clube de Santarém, ZYR-9, de propriedade do então vereador Jônatas de Almeida e Silva. Nesse dia, também aconteceu a primeira partida no reformado "Parque São Francisco". Jogo amistoso entre a Seleção Santarena e o Paysandu. Foi a primeira partida de futebol irradiada ao vivo diretamente do estádio, pela pioneira ZYR-9.
O secretário do prefeito Aderbal Corrêa, Elias Pinto, pai do jornalista Lúcio Flávio Pinto, narrou o jogo e entrou para a história como o primeiro locutor esportivo do interior da Amazônia.
Ainda dentro da programação da prefeitura, Aderbal Corrêa publicou o "Álbum do Centenário", fartamente ilustrado, onde apresentava um balanço radiográfico da cidade, realçando os aspectos socioeconômicos de Santarém.
A comissão que organizou o álbum era composta pelo tabelião do 2ª ofício da Comarca, Santino Sirotheau Corrêa; o escrivão da Mesa de Rendas do Estado, Jorge Franco de Almeida; e o chefe da Agência Modelo de Estatística, meu saudoso amigo Eymar da Cunha Franco.
O "Álbum do Centenário" do nosso acervo, foi autografado pelo prefeito Aderbal Corrêa ao vereador Humberto de Abreu Frazão, avô do meu compadre José Carlos Merabet, que doou esse e outros documento para o ICBS.
O maestro Isoca não concordava com a data que se comemorava o aniversário de Santarém. Ele conta nas suas memórias, que desde novo, apesar da diferença de idade entre eles, conversava quase que diariamente com Paulo Rodrigues dos Santos e Felisbelo Sussuarana.
Nessas conversas, eles questionavam que a data do aniversário de Santarém não era 24 de outubro de 1848, quando foi elevada à categoria de Cidade, mas sim 1661. Sem precisarem mês e dia que o padre João Felipe Bettendorf chegou à aldeia dos Tapajós para estabelecer a Missão.
Isoca resolveu elucidar a questão da verdadeira data do aniversário da Pérola do Tapajós, com mês e dia. Foi tomando interesse pela questão, e assim teve início a pesquisa que chegou ao seu final em 1981.
Em 1976, já com a pesquisa em andamento, Isoca argumentava: como Santarém tem só 128 anos, se o prédio da Catedral tem mais de 200 anos?
Segundo ele, nossos historiadores esmoreciam diante de quaisquer obstáculos e não demonstravam interesse no aprofundamento de suas pesquisas.
Contando com o estímulo do Dr. Carlos Mendonça, Emir Bemerguy, e dos seus irmãos Wilmar e Wilde Fonseca, tocou pra frente sua cruzada até desmanchar o nó górdio.
Sem arredar pé de Santarém, estendeu suas pesquisas aos Museus do Vaticano, em Roma. Foi ali que conseguiu chegar à conclusão de que a data da chegada de Bettendorf à aldeia dos Tapajós, para fundar a Missão, foi dia 22 de junho de 1661.
Isoca foi ajudado nessa pesquisa a distância, pelo diretor do Museu, um paraense que ele conhecia de nome, Dr. Redig. Dr. Redig enviava para Santarém cópia dos documentos que ele encontrava sobre a chegada do religioso jesuíta Bettendorf em Santarém.
De posse desses documentos enviados de Roma, maestro Isoca passou a elaborar o estudo que denominou de “Fundação de Santarém”, que posteriormente publicou na Revista da Festa de Nossa Senhora da Conceição de 1979, com o título "O berço de Santarém".
Pela qualidade do trabalho apresentado, Isoca começou a receber apoio de órgãos como o Conselho Estadual de Cultura, Academia Paraense de Letras, Instituto Histórico e Geográfico do Pará, e do literato santareno Genesino Braga, que o maranhense Josué Montello considerava um exemplo do homem que segue o caminho da sua aldeia.
Concluída a pesquisa, Isoca manda uma cópia do trabalho para o Dr. Regis, que respondeu com uma carta de Roma, datada de 16 de outubro de 80:
“Li com prazer e proveito seu artigo sobre a fundação de Santarém e ao meu ver a data (22 de junho de 1661) está nele claramente demonstrada. Não precisa ser ulteriormente comprovada, pois lhe foi indicada pela maior autoridade na matéria, o Instituto Histórico Della Compagnia di Gesu em Roma. Este instituto cita duas fontes impressas, mas não sei se os documentos existem no arquivo da companhia ou de outro arquivo”.
Mesmo com a pesquisa do maestro tornada pública e reconhecida pelo Conselho Estadual de Cultura, Academia Paraense de Letras e Instituto Histórico e Geográfico do Pará, os vereadores de Santarém não conseguiram aprovação de uma Lei que definisse a data de 22 de junho para o aniversário de Santarém.
O então vereador Antônio dos Santos Pereira foi quem apresentou o Projeto de Lei nº 508/78 de 14 de dezembro de 1978, que foi vetado pelo prefeito Antonio Guerreiro Guimarães, alegando que o projeto não estava muito bem fundamentado e continha alguma irregularidade.
Em 1981, o mesmo vereador Antônio Pereira volta à carga com um novo projeto, que tomou o nº 9.270, de 2 de julho de 1981, dessa vez aprovado pelo prefeito Antônio Guerreiro.
Dois vereadores votaram contra o projeto, Oti Santos e Raimundo Pacheco. O projeto teve tramitação demorada, apresentado em dezembro de 1980, só em junho de 81 foi aprovado.
E, a partir de 1981, Santarém passou a comemorar seu aniversário no dia 22 de junho.
No mês de abril de 1991, participei na Câmara Municipal da sessão em homenagem ao centenário de nascimento do nosso grande e ilustre poeta, dramaturgo, filólogo e compositor Felisbelo Sussuarana. Solenidade simples, mas de grande significado para a intelectualidade santarena.
Após a solenidade fiquei conversando com o maestro Isoca e falei sobre a importância da entrevista que tínhamos realizado com ele em 1989.
Perguntei-lhe se concordava em prosseguir com o depoimento, pois considerava que ainda tinha muita coisa por contar sobre a história da cidade e da sua própria vida.
Que, se concordasse, iria entregar-lhe um gravador com três fitas cassetes para que nas horas vagas, em sua residência, ao sabor do vento, conversasse com ele e desfiasse detalhes da sua existência, que falasse sobre o que viu e sentiu na sua terra querida.
Ele topou a parada e, no dia 16 de abril 1991, entreguei-lhe em sua residência o gravador com as fitas.
No dia 15 de junho ele me telefona avisando para eu ir apanhar o material que estava pronto, com três horas de gravação. O conteúdo desse solilóquio também faz parte do livro Idílio do Infinito, editado pelo ICBS em 2012, dentro do Projeto Memória Santarena. Conteúdo que também me serviu de base para essa crônica em homenagem ao maestro Wilson Fonseca e a sua querida Santarém.