“Ninguém
está entendendo a indiferença das autoridades responsáveis pelo
policiamento de Belém. Quanto mais se grita e protesta contra esse
banditismo sem controle, menos se sabe de providências capazes de conter
e anular a desenvoltura de marginais que fazem da vida e dos bens do
próximo, brinquedos baratos, desses que se compram aos montes e se
destroem a pontapés.
O
que será preciso, afinal, para serem tocados os corações dos que
dispõem de meios de colocar um paradeiro em tal descalabro? Será
necessário, porventura, que eles, os figurões do poder, provem a
brutalidade irracional, que sintam na própria carne como dói uma
punhalada ou quanta falta fazem criaturas queridas, monstruosamente
mortas, ou os bens levados pelos gatunos? – São perguntas que se perdem
nos labirintos dos ventos, mas que devem ser urgentemente respondidas.
Somos
os artífices de nosso futuro e, por isso, não temos obrigação alguma de
olhar esse festival de roubos e homicídios como uma cruel fatalidade a
que não se pode escapar. Demo-nos as mãos, somemos coragem, lucidez e
firmeza. Quem pode escrever, escrevam, gritem outros, pressionemos
todos. Não é possível que esses criminosos prossigam comandando os
acontecimentos, transformando um povo inteiro, pacato e alegre, em
bainha de faca e carniça de revólver.
Não
devemos dar trégua aos poderosos, forçando-os à imediata e decisiva
ação, pois sua inércia muito se assemelha à do sujeito que considera
refrescante a pimenta esfregada em olhos alheios. Todo mundo sabe que,
quando ocorre um crime particularmente chocante, desses que põem as
multidões em revoltada efervescência, a máquina policial funciona mesmo e
em pouco tempo os protagonistas são apanhados, numa prova indesmentível
de que eles, os graúdos, agem quando querem. Embora eu não deseje que
isso aconteça, não tenho a mínima dúvida: no dia em que for assaltado um
membro de cúpula administrativa, a repressão há de ser formidável e as
coisas começarão a mudar. Desgraçado, porém, do povo que precise esperar
a desdita pessoal de seus líderes para que se inicie a luta contra os
inimigos de todos.
O
governo do Pará deve colocar sob a rubrica de ‘urgência urgentíssima’ o
combate organizado, diuturno e intensivo aos sicários que povoam as
ruas e os pesadelos da população assustada. Que se concentrem maciços
recursos e esforços nessa cruzada permanente contra as quadrilhas de
monstros que tornam tão difícil descobrir-se a imagem de Cristo no
próximo.
Parece
que ninguém suportará por muito tempo ainda essa dramática e absurda
inversão de situações: enquanto os cidadãos livres, sérios e inocentes
vivem confinados atrás de grades domésticas, os ladrões e assassinos
dominam as ruas, espalhando a viuvez, a orfandade, a mutilação, a
miséria, a morte. Que os ilustres deputados e vereadores renunciem, por
uns dias, aos seus festivos requerimentos congratulatórios para formar
uma frente única, supra-partidária, capaz de engrossar o coro dos que
exigem rápidas e frutuosas providências. Política, afinal, é a arte de
promover o bem comum.
Com
todo o meu cristianismo, sinto-me à vontade para emitir um protesto
como este, pois religião alguma, e muito menos a minha, nos manda ser
coniventes com o mal e passar a mão em cabecinhas de criminosos
malvados, sem alma, que funcionam deliberadamente como crudelíssimos
algozes de seus semelhantes. Nada mais ridículo e até suspeito, pois
cheira a cumplicidade, do que, em horas assim, lermos ou escutarmos
piedosas palavras, manifestações sobre direitos humanos, sobre a
tolerância no trato com malfeitores extremamente perversos, que torturam
brincando, que matam entre gargalhadas. Essa gente, a rigor, só entende
o diálogo da força, da intimidação, embora eu não chegue ao extremo de
advogar medidas sanguinárias, pois não se precisa responder a
brutalidade com selvageria.”
Do blog:
Creio
que o texto acima, parte da crônica “Cidade Sitiada”, de autoria do meu
mano Emir Bemerguy, escrita em outubro de 1978 e publicada no jornal O
Liberal, demostram que, de lá pra cá, pouco ou nada mudou em termos da
violência que, igual ou pior àquela época, nos dias de hoje amedronta e
coloca em pânico não só a população de Belém, mas também de muitas
cidades do interior, nas zonas rurais, enfim, em todos os lugares do
Pará. Faço votos que as providências solicitadas pelo referido cronista,
sejam objeto de reflexão por parte das autoridades que comandam
atualmente os órgãos de segurança pública no Pará e as coloquem em
prática